*Por Theo Monteiro
A tarde do dia 5 de março de 2016 foi marcada pela inauguração da nova sede da Casa Triângulo, galeria de arte localizada no bairro do Jardins. Em meio à cor branca das paredes do prédio, bem como da cor da pele da maior parte das pessoas, se destacava a presença do artista Moisés Patrício: negro, vestindo uma bata branca e adereçado com um colar de contas que remete à cultura afro-brasileira. A ele, se juntariam mais alguns negros no decorrer do evento, cuja cor da pele ajudou a quebrar o monocromatismo até então reinante no ambiente. Para os desavisados, aqueles personagens negros no recinto poderiam estar ali apenas por acaso. Poderiam.
Na verdade, aquelas presenças não foram fruto de coincidência. Desde alguns dias antes estava agendado no Facebook um evento intitulado Presença Negra, que chamava artistas e pessoas negras de um modo geral a comparecerem a abertura na mesma galeria. “Este não é um ambiente considerado nosso. As pessoas negras tem muita dificuldade de se inserir no meio da arte” explica Patrício, um dos organizadores do ato, criado em parceria com Peter de Brito, outro artista negro.
“A ideia é ser uma intervenção pacífica e alegre, que incite os afrodescendentes a ocuparem espaços específicos que lhes são historicamente negados, no caso, aberturas de exposições e mostras, para que venham prestigiar as aberturas”, conta Patrício. “O Brasil é um país diversificado: variadas culturas, cores, religiões e formas de pensamento convivem nesse território. No entanto, e surpreendentemente, essa diversidade praticamente inexiste em diversos meios, e a arte é um deles. Pra mim, que sou artista negro, foi muito difícil se fazer presente. O Brasil possui uma vastíssima produção artística, mas a que entra no meio comercial e é divulgada é unicamente a produção branca”, lamenta.
Poética diferente
Segundo Patrício, se você indagar qualquer galerista sobre a ausência de artistas negros nestes espaços, a justificativa será a praticamente inexistência dos mesmos. A explicação não corresponde à realidade. O fato de não ter sido absorvida pelos circuitos comerciais não torna a arte dos afrodescendentes menos importante para a cultura brasileira. “Ela carrega uma poética diferente, distinta da produção corrente no mercado da arte, que é muito marcada por uma temática individualista. A produção afrodescendente carrega questões próprias, porque os artistas tem outro tipo de vivência e são submetidos a uma série de violências”, explica Patrício. “A poética negra no Brasil é muito próxima da matriz africana, que é coletivista, que pensa a fruição num sentido mais amplo, e não apenas para um público seleto de pessoas.”
Ainda que menos destacada, a produção negra no Brasil existe e remonta ao período colonial: desde o mineiro Aleijadinho (173?-1814) até artistas contemporâneos como Sidney Amaral, Emanuel Araújo e Lidia Lisboa. “Não é porque somos alvo de grande violência em todas as esferas sociais que elas nos pertençam menos. Pelo contrário, esses espaços também são nossos e intervenções como a Presença Negra são fundamentais para que os ocupemos”, explica Patrício.
Outra questão levantada pelo artista é a de que essa constante exclusão e negação de qualquer produção negra acaba tendo consequências nefastas para os indivíduos: “A depressão que acomete muitos afrodescendentes acaba tendo como origem justamente essa identidade que nos é negada. É uma crise de identidade que nos é imposta, e a nossa exclusão do circuito das artes é mais uma faceta disso”. No entanto, para ele, ainda que o preconceito racial persista, houve muitos avanços na última década. “O racismo no Brasil praticamente não era discutido dez anos atrás. Esse era um tema que incomodava e por isso o seu debate ficava adormecido. Agora o negro tem mais acesso à itens básicos, à informação e a cultura e está na universidade. Estamos finalmente colocando o pé na porta, e essa discussão não pode ser diferente na arte. A arte incomoda, provoca, levanta questões. Pensar o racismo nesse meio é fundamental”, conclui.