O segundo dia do Seminário Internacional ARTE!Brasileiros, em 9 de outubro (assista), teve início com uma conversa com a equipe curatorial da 3a edição da Frestas – Trienal de Artes. Organizado pelo Sesc-SP, com base na unidade de Sorocaba, o programa contínuo aproxima artistas locais de produções regionais e internacionais, estabelecendo um diálogo entre questões sociais próprias ao contexto brasileiro e reflexões da esfera global.
Nesta edição, a equipe curatorial é formada por Beatriz Lemos, Diane Lima e Thiago de Paula Souza, que participaram do seminário. Logo no início de sua fala, Diane pontuou que, ao ser uma curadoria coletiva, dois pontos-chave são acionados: as negociações e as contradições que constituem o processo curatorial. Sendo três curadores não brancos, perceberam o abismo existente na representatividade e optaram por pensar as negociações e contradições dentro dessas políticas representativas e identitárias. “A gente tem um cenário no Brasil onde nos ver aqui hoje estaria na categoria não da arte do possível, como propõe o tema do seminário, mas da arte do impossível, e isso atravessa nossa curadoria”, disse Diane.
Com o título O rio é uma serpente, essa edição da Trienal reúne cosmologias e cosmovisões “que não passam somente por esferas econômicas e sociais, que sustentam uma coleção de conhecimentos e pensamentos afroindígenas, nativos e ancestrais”, afirma a curadora. Para o trio, “O rio é uma serpente não é um tema, mas uma cosmovisão interessada em reunir e apresentar os aprendizados que tivemos até aqui”, explica Diane.
Entre negociações e contradições
Beatriz Lemos pontua que os aprendizados começaram com a compreensão de qual é esse chão de Sorocaba, onde a Frestas se instalaria. Para isso fizeram encontros de escuta na cidade e criaram um diálogo com artistas, produtores, gestores e educadores. “Foi a partir daí que percebemos que nossos pontos de partida seriam o território e o educativo”, explica.
De forma a expandir essas negociações e entender outras narrativas de Brasil, além dos próprios conhecimentos e repertórios, o trio embarcou para uma viagem pelo país. “O mais importante para nós era construir uma viagem coletiva, para que a partir desse corpo em movimento e em embate com outros territórios pudéssemos criar esse corpo curatorial”, conta Beatriz.
Fizeram uma rota inicial de dois meses por localidades do Norte e do Nordeste. Assim entraram em contato com a lógica local dos circuitos de arte e da sociabilidade dessas regiões específicas. “Buscamos entender de diferentes maneiras a grandiosidade dessas naturezas e como operavam as estratégias de crimes ambientais”, conta. Para Beatriz, essa seria a forma de entender como as grandes iniciativas privadas afetam as comunidades tradicionais, quilombolas e indígenas das regiões, através de um racismo ambiental. Esse, por sua vez, constituído por “práticas, legitimadas historicamente, que anulam uma fruição de prazer e contato de meios ambientais a comunidades negras, indígenas, não brancas e migrantes”, explica Beatriz. Ao que Diane complementa: “De fato, as práticas artísticas e suas expressões são ferramentas para atravessar esses colapsos naturais que a gente vem vivendo”.
Para Thiago, a compreensão desse cenário era imprescindível, como forma de construir uma prática curatorial que “busca a colaboração como uma maneira ética de imaginar o mundo de outro modo; de perguntar como a arte contemporânea pode nos ajudar a desenvolver um horizonte um pouco menos brutal em que a violência não molde as nossas existências”.
Para manter essa ideia, buscaram “experimentos curatoriais em diálogo com artistas que tem a vida e a prática diretamente conectadas com a violência colonial, sem contribuir para a assimilação dessa práticas”, explica o curador.
Quando o rio toma forma de serpente
Em sua fala, Thiago explicou que, neste segundo semestre de 2020, o trio desenvolve um programa de estudos, a partir de encontros com um grupo de 15 artistas. Composto de atividades formativas, tem o objetivo de fomentar práticas educativas radicais e, ao mesmo tempo, incentivar políticas de redistribuição e acesso à arte. Além desse programa, estão previstas ações online gratuitas e abertas ao público, como cursos, seminários, palestras, lançamentos editoriais, mostras de filmes e vídeos e um programa de formação de professores.
O resultado da Frestas é diferente daquilo que se pensava no início, pois a edição foi elaborada em um mundo pré-pandêmico. Porém, a situação pareceu intensificar a mensagem que a curadoria pretendia transmitir. “A pandemia não só revela a obscenidade das estruturas raciais e classistas do país, mas também a obscenidade no sentido do que o sistema da arte sempre tentou esconder”, explica Diane. Para ela, a situação global não impediu, mas em certos pontos até reforçou uma questão importante desse pensamento: O que é ser um corpo dissidente e racializado dentro do circuito da arte contemporânea, que sempre invisibilizou e subalternizou os nossos conhecimentos? E é essa questão que O rio é a serpente pretende refletir.
Se interessou? Assista à conversa completa com os curadores de Frestas no VI Seminário Internacional: em defesa da natureza e da cultura – a arte do possível clicando aqui.