- Por Carolina Piai
Durante o último mês, o MBL (Movimento Brasil Livre) e seu discurso tomaram ainda mais força no Brasil. O grupo, que surgiu pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff, foi autor das críticas que levaram ao fechamento da exposição Queermuseu, no Rio Grande do Sul, e também dos ataques direcionados a performance La Bête no MAM. Além disso, em setembro, um general do exército falou publicamente em intervenção militar por mais de uma vez.
O cenário de escalada do conservadorismo tornou-se o centro da pesquisa da acadêmica espanhola radicada no Brasil há sete anos, Esther Solano. Cientista social e professora da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), ela recebeu a reportagem do páginaB! para uma entrevista exclusiva em seu apartamento, na região central de São Paulo. Durante mais de 40 minutos, explicou como suas análises e pesquisas fizeram com que se tornasse uma das inimigas número 1 de movimentos como o MBL.
Na conversa, Esther rememora sua trajetória, as dificuldades que encontra por ser mulher no meio acadêmico e no campo progressista, debate a influência das redes sociais no atual momento político, além de contar como acredita que a esquerda pode disputar o discurso com esse grupo, que exerce cada vez mais influência na internet.
“Num momento de crise muitas pessoas pensam que a culpa é do funcionamento democrático, que se nós tivéssemos um regime mais duro, mais autoritário, mais centralizador, resolveríamos a crise. Não podemos dar asas para esse tipo de pensamento, porque é muito perigoso”
Nos últimos anos, ela conduziu pesquisas de campo nos protestos de São Paulo, juntamente com os acadêmicos Pablo Ortellado e Marcio Moretto, com o objetivo de registrar as percepções dos manifestantes. Dentre os diagnósticos, alguns pontos chamam atenção: em 2015, na mobilização pelo impeachment de Dilma, uma das respostas apontava que mais da metade dos entrevistados acreditavam que o PT queria implantar um regime comunista no País. Para a pesquisadora, resultados como esse revelam o perigo das fake news: “Democracia sem informação não é democracia. Então quando temos informações tão pobres, tão cheias de boatos, a gente acaba diminuindo muito a capacidade democrática”.
Esther defende que o campo progressista deve disputar o discurso, a rua e a internet, “chamar para a luta contínua”. Por isso, frequentemente, a cientista política recebe ataques xenófobos e machistas em suas redes sociais. “Você tem que lutar mais para ter sua voz escutada, simplesmente pelo fato que você é mulher e ainda mais por ser uma mulher jovem”, conta.
“É como se fosse uma milícia tentando patrulhar seu pensamento. Mas eu pelo menos não tenho intenção nenhuma de calar a boca, então tudo bem: podem continuar que eu vou continuar também!”
Confira a entrevista completa:
páginaB! – Poderíamos começar a nossa conversa com você contando um pouco da sua trajetória na academia, como escolheu sua área, como veio pra cá…
Esther Solano – Eu cheguei no Brasil em 2010, estava acabando o doutorado na Espanha, mas coincidiu naquele momento em que a crise chegou na Espanha, então ficou extremamente complicada a situação e aqui acontecia a expansão de vagas do Reuni – estas tantas vagas que foram abertas na época do Lula. Eu cheguei aqui e consegui passar no concurso na UNIFESP. Minha pesquisa começou de fato em 2013, com as manifestações, porque eu sou socióloga e o meu foco tem sido sempre manifestações, dinâmicas populares, etc, então é bem o foco do que acontece na rua. Então em 2013 eu fui às manifestações, como bastante gente no Brasil, e comecei a me interessar muito pela questão da violência, dos black blocs, da polícia… São temas que tenho sempre o interesse: a repressão, a violência, a contestação contra o Estado. Aí comecei a estudar o black bloc e a repressão policial também (Esther Solano é coautora do livro “Mascarados: A verdadeira história dos adeptos da tática Black Bloc”). Em 2015 começaram as manifestações pelo impeachment e basicamente fui juntando uma pesquisa na outra. Comecei a estudar, junto com Pablo (Ortellado, professor na EACH – USP e colunista da Folha de S. Paulo) e Marcio (Moretto, também professor na EACH – USP) as manifestações conservadoras e agora estamos um pouco nessa onda, de estudar os movimentos mais conservadores, direita… Outra pegada totalmente diferente.
Recentemente, você divulgou ataques xenófobos que sofreu nas redes. Você lida muito com esses ataques?
Muito. Nós temos bastante exposição porque divulgamos muito nossas pesquisas na imprensa. A nossa ideia sempre foi essa: fazer pesquisa, mas não para a academia só, e sim divulgar também. Então publicamos muito a pesquisa, porque achamos importante isso. Então tem um lado positivo, que você consegue dialogar com as pessoas, mas tem o lado negativo, de que muitas vezes você fala coisas que algumas pessoas não gostam… Então eu, por exemplo, tenho dois pontos que são sempre fonte de ataque: a misoginia – dos colegas eu sou a única mulher, então eu sofro sempre ataques muito mais duros, de todo tipo de conteúdo, machista, patriarcal, sexista, etc – e outra que sou estrangeira. Sempre tem ataques misóginos, e vou falar que infelizmente não é só na direita, tem vezes que para o lado do campo progressista, de esquerda também tem esses ataques. Mas infelizmente a gente tem que lidar com isso – é duro, porque são ataques muito desagradáveis e normalmente chegam em massa, quando você dá uma entrevista, alguma coisa gera impacto, chega em massa esse tipo de ataque. É como se fosse uma milícia tentando patrulhar seu pensamento. Mas eu pelo menos não tenho intenção nenhuma de calar a boca, então tudo bem: podem continuar que eu vou continuar também…
E na academia você também encontra xenofobia e misoginia?
Não, na academia não encontro xenofobia, mas misoginia sim. Na academia o que você encontra é que você, como mulher, tem que lutar muito mais pelo seu espaço. Porque a academia é um lugar de privilégio do homem branco, classe média, etc. Então para a mulher é mais difícil ter uma voz reconhecida na academia. Eu diria que especificamente a misoginia na academia é esta: você tem que lutar mais para ter sua voz escutada, simplesmente pelo fato que você é mulher e ainda mais mulher jovem – parece que você tem duas desqualificações ao mesmo tempo.
As manifestações de machismo você encontra nas universidades de outros países também?
A misoginia você encontra em todo lugar. Por exemplo, falando um pouco da questão da academia, eu tenho colegas acadêmicas em outros países e as narrativas são iguais. Você ser convidada para uma palestra, para um seminário, ter um monte de homem e você foi convidada porque você é a cota feminina, tem que estar lá e pronto. Ou, por exemplo: quando homens falam as pessoas prestam muita mais atenção do que quando você fala. Infelizmente, as minhas colegas que moram fora, principalmente na Europa, que é meu ponto de referência, já me contaram coisas muito parecidas com aqui. A academia que é um lugar que deveria ser a vanguarda da inclusão, do diálogo, infelizmente ainda é um lugar muito patriarcal. Ouvi várias experiências de colegas que sofreram isso também. Na teoria você encontra mais possibilidades no campo acadêmico, na prática infelizmente você ainda tem obstáculos que são bem grandes. Além dessas coisas como maternidade, por exemplo, que ainda tem enormes dificuldades – as mulheres têm deixado a carreira, mas os homens não…
E como você vê a situação da ausência/pouquíssima presença de mulheres, negros e indígenas na política?
Sinistro… A gente tem só 11% de deputadas federais por exemplo, estamos no número 115 do ranking internacional das mulheres parlamentares. O Brasil é uma coisa sinistra, o problema de tudo isso é que muito se discute sobre a reforma política, distrital, se está aberta ou fechada, fundo de campanha, mas pouquíssimo, ou nada, está se discutindo na perspectiva das minorias políticas. Como que nós poderíamos trabalhar uma reforma política que incluísse mais mulheres e negros? Que são metade da população. Estamos absolutamente sub representados. Infelizmente a gente tem um congresso brasileiro de homens, brancos, classe média, empresários, então representa muito pouco. Por isso é difícil esperar que esse congresso adote uma medida realmente eficaz para aumentar a representatividade feminina. Isso é uma coisa que o movimento feminista deveria também começar a tecer essas rédeas, porque sem representatividade feminina na política a gente consegue muito pouco, as pautas legislativas estarão bloqueadas o tempo todo. Temos pautas importantíssimas como o aborto, que vai ser criminalizado ainda mais, então os dados são pavorosos. Acho que a participação maior de mulheres e de negros na política deveria ser um dos pontos fundamentais de partida da esquerda. Mas infelizmente é difícil, não é um dos pontos fundamentais porque os próprios partidos são patriarcais, por exemplo. Romper esse ciclo é uma coisa que demora tempo. Então nós, mulheres, temos que pressionar sim… O tempo todo. Cada espaço é um espaço de disputa. A política é um espaço de super disputa.
Pensando nas ruas, hoje temos uma insatisfação bem maior em relação ao governo e em 2013 a mobilização era muito maior nas ruas. Como vê esse processo?
Foi um processo de desgaste. Se você pega 2013 foi um momento muito histórico, então não dá para medir tudo por 2013 porque foi uma catarse coletiva. E você pensa: a gente teve quase 3 anos com muitas manifestações, uma coisa extraordinária. Em paralelo a isso nós temos a Lava Jato, que foi aumentando, então acho que as pessoas enxergaram que o sistema como um todo está apodrecido. Uma insatisfação que no começo era mais com o governo, com o PT, passou a se alastrar contra todo o sistema. E o que aumentou muito é a ideia de que o brasileiro não consegue ver saída. Então ele percebe que não só a classe política está podre para ele – um sentimento muito antipolítico, ninguém presta, todo mundo corrompido –, como também percebe que não tem saída, que por mais que vá para a rua, proteste, nada vai mudar – então é aquele: “nada muda mesmo né? Tudo continua igual”. Essas duas coisas se juntam, acho que chegamos em um momento de frustração política muito grande. Chegamos a um ponto de superação. As pessoas vão para rua e não muda nada, a Lava Jato avançando tanto deu a impressão de que o sistema todo tá corrupto. E isso é muito perigoso, porque deixa as portas abertas para os outsiders, como fenômeno do Dória, Bolsonaro, etc. Então acho que vai ser difícil reverter essa questão da mobilização. Acontece no mundo todo essa negação da política, esse cansaço coletivo.. É difícil reverter isso de novo…
Tivemos agora o fechamento do Queermuseu. Você acredita que o MBL tem tido tanta força por qual motivo?
Eles têm força mesmo – não é trivial a força deles. Eu sempre penso que a esquerda tenta menosprezar esses grupos, mas não, eles dialogam e eles comunicam. Eu acho que a gente tem que pensar primeiro que o Brasil é um país conservador, então a bolha é a nossa, a bolha progressista. A grande massa da população é conservadora – é um país muito punitivo, que tem muitos problemas racistas, classistas. Então o MBL começou primeiro com uma linha muito neoliberal na economia, então o objetivo principal era este. Essa ideia do estado mínimo e do neoliberalismo não tem consciência no Brasil, as pessoas não querem isso. Então o MBL mudou a estratégia e passou para uma coisa das pautas mais moralistas na política, pois assim têm realmente um eco, então quando você parte para uma coisa de pautas moralistas, da população LGBT, mulheres, punitivismo, você sempre vai encontrar setores muito grandes da sociedade que te apoiam, porque são pautas que ainda têm questões transversais de racismo e classismo que são complicadas de vencer. O MBL é muito importante, o Bolsonaro é muito importante. Por mais que a gente goste ou não goste, são grupos que comunicam com a sociedade. Então talvez uma autocrítica para a esquerda é que a gente perdeu a capacidade de comunicar com a sociedade. Não sei se isso serve para instigar a esquerda para que ela comunique de novo, porque isso é bem urgente. Nós chegamos em um ponto que alguns grupos da direita se comunicam melhor com a sociedade do que a esquerda.
Como você acredita que a esquerda poderia disputar o discurso com o MBL, por exemplo?
Acho que o problema agora é que o campo da esquerda continua muito atrelado a um projeto petista e isso é muito perigoso, porque a esquerda e o progressismo têm que ser muito maior do que um partido só. Então eu acho que a crise do PT acaba sendo a crise da esquerda como um todo. Ou seja, a gente tem na verdade essa fragilidade: como se organizar agora? Estou pensando aqui e acho que a gente não está nem no nível de disputar o discurso, nós estamos no nível de organizar nosso campo ainda, então é bem mais precário o assunto. A gente precisa conseguir se reorganizar, sair um pouco da órbita do PT, ganhar uma autonomia. A esquerda tem que ser muito mais do que um partido. Está todo mundo muito perdido agora, a eleição também é um momento difícil, então todos os esforços estarão voltados para o cenário eleitoral, e não realmente para reestruturar a base. Então o primeiro passo tem que ser esse, e aí depois na verdade tentar realmente disputar o discurso, porque sem essa reorganização prévia tá difícil. Por exemplo, o movimento feminista está muito forte no Brasil, muito mesmo, uma coisa para mim bem potente. Mas o movimento feminista não conta com representantes políticas suficientes para dar uma voz à instituição, no parlamento, etc. Essa ponte com as instituições é complicado, tem que ser reestruturado, é urgente tudo isso…
Como observa as eleições em 2018?
Que medo! (risos). Eu tava vendo a última pesquisa de rejeição e o Lula subiu 40 pontos, é uma coisa impressionante né, então o Lula diminuiu a sua rejeição e está subindo a recepção positiva dele… Se ele conseguisse se candidatar, obviamente que ele ganhava, talvez até no primeiro turno. Como é muito duvidosa a candidatura do Lula, vamos temos que deixar tudo isso em parênteses. Se ele não conseguir se candidatar, ainda acho que ele vai ser um cabo eleitoral muito importante, porque simbolicamente, a pessoa que ele apoie, vai ter um apoio muito grande. Então o candidato que for escolhido pelo PT não vai ter a força do Lula, evidente, mas ainda vai ter força porque o Lula vai apoiá-lo de alguma forma. Se o Lula for condenado, vai ter todo aquele discurso do vitimismo, “Lula vítima”, tudo isso. Então eu consigo imaginar uma pessoa da esquerda movida pela força do Lula, mas ainda assim vai ser complicado porque uma condenação do Lula vai ser bem crítica.
Eu consigo ver agora o Dória e o Alckmin, que estão em disputa aí, o Dória está melhor nas pesquisas, mas está pior dentro do PSDB, vamos ver quem vai ganhar a disputa interna no PSDB – que é terrível. E o Bolsonaro está muito bem colocado. Resta saber se o Bolsonaro é um fenômeno mais social do que eleitoral né, porque ele tem um partido muito pequeno. Então vamos ver se ele se garante quando começar o horário eleitoral gratuito, o partido muito pequeno dele vai prejudicar. Então basta ver se ele é um fenômeno social mobilizador ou de fato eleitoral. E aí tem a Marina, que não enxergo muita possibilidade, porque acho que ela mesma é o problema dela mesma… Mas assim, se o candidato do PT não consegue ir para o segundo turno, a gente tem a possibilidade de ter um segundo turno só com candidatos de direita. E é uma possibilidade sim, que a gente viu o que aconteceu em outros países, na França, por exemplo, ultra direita com uma direita liberal. Poderia ser assim também aqui…
Considerando também a recente declaração de General Antonio Hamilton Martins Mourão (general do Exército que em palestra realizada em Brasília durante o mês de setembro falou publicamente por mais de três vezes na possibilidade de intervenção militar), você enxerga um perigo de tomada de poder militar no Brasil?
Não enxergo um perigo de tomada de golpe militar, mas o que eu enxergo é que pessoas que apoiam e legitimam esse discurso podem aumentar, isso sim. O episódio do Mourão, para mim, foi muito simbólico. Não pelo que ele falou, porque eu acho que tem mais gente que opina também isso, mas pela ausência de uma punição depois do que ele disse. Se ele falasse isso mas depois fosse punido ou expulso por falar isso, poderia ser mais pedagógico. A gente tem o Bolsonaro que já é também esse discurso, para mim a ameaça não é o golpe, é que essas ideias se difundam e ganhem apoio.
A gente já vive sob um golpe não é…
A gente já vive numa ordem democrática entre muitas aspas. Esse tipo de comportamento (do General Mourão) é totalmente ilegítimo, então quando você vê esse tipo de comportamento sem nenhum tipo de punição ou represália você está levando uma mensagem de que: “Pô, vamos apoiar esse cara porque é possível!”. Já estamos em um momento muito frágil, a democracia passou longe, então deveríamos ter muito cuidado com isso. Porque quando acontece isso você acaba a instaurar na sociedade a ideia de que a democracia é mais um regime, talvez não é tão necessária, num momento de crise talvez não dure…
Num momento de crise você tem que cortar da raiz o discurso autoritário porque pega muito. Num momento de crise muitas pessoas pensam que a culpa é do funcionamento democrático, que se nós tivéssemos um regime mais duro, mais autoritário, mais centralizador resolveríamos a crise. Não podemos dar asas para esse tipo de pensamento, porque é muito perigoso. Acabamos de ver agora nas eleições na Alemanha que neonazistas ganharam 13% do parlamento. É muito expressivo isso. Ou você corta da raiz, ou você tem um problema que vai se espalhando pela sociedade.
Você vê então também no panorama global essas questões.
Sim, sem dúvida. Globalmente você tem um sentimento de frustração com a democracia muito grande, você tem uma globalização que não está dando certo para muita gente, tem os problemas migratórios que são muito grandes, tem o problema do próprio capital, da precarização do trabalho, da vulnerabilidade que teve essa precarização. São problemas muito estruturais que o mundo inteiro, em diversos níveis, está sofrendo. E a democracia ficou muito refém do poder econômico, então a democracia não está dando as respostas que muitas populações queriam. Aí vem esse discurso anti-político, da negação da política… E se você vê no mundo todo estão pipocando movimentos extremos. Nos Estados Unidos, com o Brexit na Grã-Bretanha, a própria Marine Le Pen na França, a segunda mais votada. Então infelizmente é de uma ordem global, sem dúvida.
Voltando para o Brasil, como avalia o comportamento dos cidadãos nas redes sociais?
Tem um problema aí – não sei se é do brasileiro, mas de forma geral – a rede social é um espaço onde se discute muita política, questões sociais. E nós temos um pouco uma dupla fácil porque por um lado é um lugar interessante, sobretudo para pessoas que não têm voz, que são muito menos ouvidas, ter uma plataforma com mais possibilidade de acesso. Mas, por outro lado você tem um discurso de ódio muito potente, porque também você tem o anonimato total. E nós temos essa questão do Facebook, que trabalha com bolhas ideológicas, essa coisa do algoritmo. Então na verdade você está discutindo política talvez no pior lugar para discutir política porque você não consegue dialogar com outros. Tá tudo muito polarizado, a rede social também está polarizada, então acho que o principal problema é isso: você fomenta um discurso muito unilateral, não consegue debater, não consegue diálogo. E o discurso de ódio passa muito gratuito também, acho que as pessoas ainda não entenderam talvez muito a dimensão que tem a rede social. Eu vejo que tem esse lado negativo que falamos, do discurso de ódio, que você se expõe muito também né, porque você consegue uma visibilidade grande, fica muito fragilizado também por um lado. Mas por outro lado tem uma coisa muito positiva, que é dialogar com muitas pessoas. Então ao mesmo tempo que te digo que encontro muito discurso contra mim, encontro muito discurso positivo também comigo, sobretudo – uma coisa muito importante isso – como mulher, por exemplo, tem umas meninas que me escrevem falando que é importante o exemplo que eu dou enquanto mulher, porque, de novo, nós mulheres não temos tanto essa possibilidade de nos colocar no debate público. Então se eu colocar no balanço acho que esse papel meu como mulher e como eu consigo dialogar com meninas do Brasil todo, isso é muito importante. E eu não conseguiria fazer isso se não fosse pela rede social.
Nas pesquisas que desenvolveu com Ortellado e Moretto, durante as manifestações pelo impeachment, 42% dos entrevistados afirmam que o PT trouxe mais de 50 mil haitianos para votar na Dilma e 64% acreditavam que o PT quer implantar um regime comunista no Brasil. Nesse sentido, 64 e hoje têm muita proximidade também…
Uma coisa que a gente estuda muito que é muito perigoso é essa coisa dos boatos e dos fake news, que não é um fenômeno novo, sempre houve informações falsas. Mas é um fenômeno que com a internet você extrapola muito. Então quando agente mediu isso, estávamos vendo justamente isso, como as falsas informações, que justamente atacam e deslegitimam o outro, são poderosas. A gente mediu isso também: as notícias mais compartilhadas no Facebook a cada semana e você encontra sempre notícias falsas entre as mais compartilhadas. E isso é muito perigoso: a qualidade da informação é muito baixa, você tem uma pseudo informação que acaba desqualificando o outro, e isso empobrece muito o debate, que já está muito empobrecido, você acaba numa dinâmica muito bélica, de destruir o inimigo. Isso foi bom justamente para aqueles que se aproveitam do momento dos outsiders, mas acaba diminuindo muito a qualidade democrática também. Porque democracia sem informação não é democracia. Então quando temos informações tão pobres, tão cheias de boatos, a gente acaba diminuindo muito a capacidade democrática.
Para concluir, você teria considerações finais?
A esquerda tem muito essa coisa da arrogância, de quem pensa que é dono da verdade absoluta e nós estamos sofrendo muitas perdas: impeachment, eleição municipal, a gente pode perder muitas disputas que estão vindo… É o momento de ter a humildade de reconhecer que alguma coisa importante está acontecendo do outro lado, porque essa coisa de caricaturizar o pessoal do MBL, acho que não vai por aí, e depois partir para a luta mesmo. Não dá também para você ficar observando o que acontece, tem que disputar o discurso, a rua, a internet… Disputar tudo. Então acho que é um momento em que nenhum de nós pode se furtar do trabalho, porque cada um também tem uma responsabilidade. Chamar para a luta contínua. Até disputando com a sua família, na manifestação, qualquer lugar é lugar de disputa.
Leia mais pesquisas conduzidas por Esther Solano:
Pesquisa na manifestação contra o impeachment do dia 31 de março de 2016
Pesquisa sobre guerras culturais – 26 de março de 2017