Por Fernanda Cirenza
Orecado veio das ruas e deixou todo mundo atônito diante da torrente de insatisfações que tomaram conta do País. O momento era inesperado, ao se considerar a expectativa da Copa das Confederações e os indicadores sociais e econômicos. A taxa de desemprego é de 5,8%, a menor desde 2002. A distribuição de renda melhorou significativamente nos últimos 15 anos. Os investimentos em educação aumentaram, assim como os de saúde. A expectativa de vida do brasileiro também subiu, enquanto houve queda nos índices de mortalidade infantil. Em março, pesquisa CNI/Ibope apontou 63% de aprovação do governo da presidenta Dilma Rousseff. No entanto, não foi apenas o futebol que ocupou o interesse popular. O Brasil queria, pediu e continua pedindo mais, motivado pelo desgosto com problemas crônicos que não amenizam com a boa condição do País.
Confira a nossa página sobre as manifestações de 2013
Luiz Eduardo Soares (antropólogo, cientista político, escritor e professor da UERJ) escreveu em seu blog (http://www.luizeduardosoares.com/hora-zero-no-relogio-popular/): “A massa rompeu expectativas e a tradição de apatia, e inventou um movimento que será, por suas lições e seus efeitos, o verdadeiro legado às gerações futuras. A narrativa passou a ser escrita, nas ruas e nas redes virtuais, por milhões de mãos e vozes, desejos e protestos, inscrevendo seus autores na cena global, em diálogo com outras praças, outras multidões, outras lutas. A sociedade virou o jogo.”
De fato, a pressão popular fez algumas conquistas pontuais, a começar pela revogação do aumento das tarifas dos transportes públicos em diversas cidades – aliás, a reivindicação inicial promovida pelo Movimento Passe Livre (MPL) em São Paulo, que, segundo o próprio, é social e apartidário. Na sequência, o governo do Estado de São Paulo brecou o aumento do preço dos pedágios. No Planalto Central, questões complexas começaram a ser discutidas. Primeiro, derrubou-se a polêmica PEC-37, que, a grosso modo, limitava os poderes do Ministério Público de investigação criminal.
Depois, o Senado ratificou, em caráter emergencial, o projeto que poderá tornar a corrupção crime hediondo. O Judiciário também trouxe resposta ágil, determinando a prisão de Natan Donadon, o primeiro deputado federal a ser detido em pleno exercício do cargo desde a Constituição de 1988 – ele foi condenado a mais de 13 anos pelos crimes de formação de quadrilha e peculato.
A presidenta Dilma Rousseff abriu-se para o diálogo e propôs um pacto nacional com cinco itens – responsabilidade fiscal nas três esferas de poder, pacto pela saúde, transporte público e educação, e reforma política por meio de um plebiscito. Em encontro inédito e histórico, Dilma convocou 27 governadores e os prefeitos das 26 capitais para debater os temas, a maioria deles ainda em discussão e, provavelmente, assuntos que estarão na pauta política dos próximos meses. Os partidos de oposição ao governo reagiram, classificaram como “manobra diversionista” a proposta do plebiscito. Na avaliação do PSDB, do DEM e do PPS, o governo está “criando subterfúgio para deslocar a discussão dos problemas reais do País”.
Em meio a tanta informação, houve vozes de alerta. No blog Mídiafazmal (http://midiafazmal.wordpress.com/), de Marilene Felinto (escritora, tradutora e ex-colunista da Folha de S. Paulo), a filósofa Marilena Chauí escreveu: “Convém lembrar aos manifestantes que se situam à esquerda que, se não tiverem autonomia política e se não a defenderem com garra, poderão, no Brasil, colocar água no moinho dos mesmos poderes econômicos e políticos que organizaram grandes manifestações de direita na Venezuela, na Bolívia, no Chile, no Peru, no Uruguai e na Argentina. E a mídia, penhorada, agradecerá pelos altos índices de audiência”.
Enquanto isso, a presidenta Dilma insistiu no diálogo como forma de gestão e convocou reuniões também com movimentos populares. O sociólogo Manuel Castells, em entrevista à revista IstoÉ (que, posteriormente foi amplamente compartilhada nas redes sociais), cravou: “Dilma é a primeira líder mundial a ouvir as ruas”. Castells falou mais: “Ela mostrou que é uma verdadeira democrata, mas está sendo esfaqueada pelas costas por políticos tradicionais”. Não é pouca coisa, ao se observar como reagiram recentemente governos que passaram por pressões semelhantes.
Na Etiópia, em encontro com lideranças mundiais que discutiam o combate à fome, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também falou sobre os protestos que se espalharam pelo Brasil e disse que as manifestações, em parte, são resultado do que foi feito no Brasil nos últimos dez anos: “Feliz é o povo que tem liberdade de se manifestar. E mais feliz ainda é o país que tem um povo que se manifesta e vai para as ruas querendo mais”.
Em entrevista exclusiva a Hélio Campos Mello e Luiza Villaméa, respectivamente diretor de redação e repórter especial da Brasileiros, publicada a seguir, Lula reafirmou que não se lançará candidato à Presidência em 2014. “Dilma é uma excelente presidenta da República. Conheço muita gente neste País. Conheço muito político neste País. E conheço pouquíssimas pessoas com a competência da Dilma. Portanto, ela será a minha candidata em 2014. E eu serei seu cabo eleitoral. É isso que vai acontecer.”
As manifestações também vivenciaram a reação truculenta da polícia e de atos de vandalismo. Dezenas de pessoas foram presas. Confrontos foram registrados em vários pontos do País, resultando em mortes. Um saldo lamentável e trágico da discussão democrática. Ainda há um longo caminho a ser percorrido. O debate agora não tem a menor possibilidade de recuo. Ainda bem.
Nas próximas páginas, além da entrevista exclusiva de Lula à Brasileiros, você vai ler a opinião de Nina Cappello e Vitor dos Santos Quintiliano, representantes do MPL, diante dos acontecimentos. Especialistas, estudiosos e formadores de opinião também analisam os episódios de junho. Os artigos estão publicados em ordem alfabética, considerando-se o nome dos autores. O momento pede reflexão.
2013 me lembrou muito as chamadas Revoluções Coloridas patrocinadas pela organização Canvas…