Rogério Assis e Ciro Girard lançam Mato? , publicação com fotos de Rogério e direção de arte de Ciro, uma bem vinda provocação que confronta a beleza à destruição, a insensatez à consciência, a vida e a morte e o verbo ao substantivo do título. Segundo livro deles que em 2013, pela Terceiro Nome, publicaram Zo’ é, Mato? é fruto de uma idéia surgida há dois anos e foi viabilizado por cinco patrocinadores, Caito Ortiz, Diana Vanni, Heinz Gruber, Maru Whately e Roberta Maiorana.
Para Rogério Assis, fotógrafo que nasceu em Belém, notável polo de fotografia contemporânea, a obra, mais que um livro de fotografia, é um trabalho ambiental:
“Aqui a fotografia é uma ferramenta. É um trabalho de conscientização ambiental. De tentativa, pelo menos. Eu uso a fotografia porque é o que eu sei fazer. Se fosse músico talvez fizesse uma canção, se fosse pintor pintaria um quadro. Mas sou fotógrafo então a minha ferramenta é a fotografia”, diz o autor.
“Mato? não tem preocupação autoral.” continua ele. “Quando você olha as imagens percebe que são imagens comuns. Praticamente fotos de bancos de imagens. A diferença é que a gente faz uso delas para formular o discurso ambiental. “
Rogério vai além: “Eu não estou preocupado com a ‘boniteza’ das imagens. A foto bonitinha se esgota aí. Ela é bonita mas daí pra frente não tem mais nada. Eu não estou preocupado com isto tanto que muitas das imagens foram feitas através de janela de avião, algumas têm pedaço desfocado, em outras a cor não é perfeita porque a janela atrapalha, mas a mensagem, que é o que nos importa, esta sim, está dada. Cada página dupla do livro, com suas fotos, é uma coisa interligada e o conjunto dessas páginas duplas se traduz na mensagem que queremos passar. “
O fotógrafo faz trabalhos para organizações como o Greenpeace e o Instituto Sócio Ambiental e viaja bastante pela Amazonia – além de ter nascido lá – portanto tem muito material fotográfico da região e o livro segue o caminho da busca do contraponto preservação/destruição com o intuito de amarrar isto plasticamente. Idéia de Ciro Girard, o diretor de arte, com o qual Rogério concordou:
“Eu comecei a separar esta coisa legal que é a grandiosidade do meio ambiente e a coisa triste que é sua destruição. O discurso, a ideia do livro era mais ou menos fazer este contraponto entre a preservação e a destruição e aí o Ciro veio com a idéia de amarrar este contraponto plasticamente. Fazer as imagens conversarem. Não simplesmente pegar a foto de mato e a de destruição. Mas sim que estas imagens tivessem uma conversa plástica entre elas. Se não houvesse este diálogo talvez tudo passasse batido, como se fosse apenas mais um discurso contra o desmatamento da Amazonia. E nós não queríamos banalizar o discurso. A gente queria que houvesse uma força visual que provocasse o leitor. Partimos de mais de novecentas fotos, quase mil, para chegar nestas 58 “, diz ele.
Com relação ao excesso de preocupação autoral Rogério Assis aponta para uma inversão de finalidade: “Essa coisa de “autoralidade” na fotografia, essa preocupação em ser autor, é algo que tem me incomodado. Uma coisa que eu já busquei lá atrás quando comecei. Hoje começa a se dar mais importancia a essa noção de autor do que ao objeto, ao assunto que se está cobrindo, fotografando. O que aconteceu no Brasil a partir do momento que o Mauricio Lima, por exemplo, com aquele trabalho humano, lindo, maravilhoso sobre a guerra, ganhou um prêmio (ele ganhou o Pulitzer, em 2016), de repente a guerra virou objeto de desejo de muitos fotógrafos e o cara vai lá fazer foto pra premio. O sujeito não está preocupado com a questão do que move aquela guerra. Também padecem do mesmo mal o meio ambiente, a questão indígena, etc. São questões sensíveis à maioria das pessoas e que muita gente acaba se aproveitando desta sensibilidade para criar um discurso falso em cima do assunto. Acho até um pouco desonesto você estar mais preocupado com seu próprio trabalho do que com a questão importante com que você está lidando. A meu ver importa que o que você faz mobilize para uma conscientização sobre aquilo que você está cobrindo seja guerra, meio ambiente, a questão indígena ou o drama dos refugiados. Seja lá o que for. O objetivo é criar consciência sobre o assunto. Não é o cara chegar e olhar a foto e falar que lindo, que lindo! E daí? O que você faz com isto? Existe uma confusão muito grande entre fotografia ambiental e fotografia de natureza. Fotografia ambiental é o uso que você faz da fotografia.“
Rogério Assis nasceu na década de 60 e nos anos de 1980 frequentou as primeiras oficinas de fotografia de Miguel Chikaoka em Belém, onde também fez trabalhos para o Museu Emilio Goeldi e para a Funai. Em São Paulo trabalhou na Angular, na Agência Estado, na Folha. Morou em Nova York, onde trabalhou no ICP, International Center of Photograpy. Criou a Editora Mandioca onde publicou a revista Pororoca. Também participou de publicações da Editora BEI. Até onde se sabe, foi o primeiro fotógrafo a registrar os Zo’é – povo de língua tupi que habita o noroeste do Pará, trabalho publicado em 2013, pela Editora Terceiro Nome, também com direção de arte de Ciro Girard.
Mato? É editado pela Editora Olhavé, tem 116 paginas, capa dura, impressão offset em papel alto alvura 150g, tiragem de 500 exemplares. São 58 fotos editadas em 29 dípticos. Custa R$ 90,00 e pode (e sendo possível, deve, porque além e apesar de tudo o que Rogério Assis defende nesta entrevista, o livro é muito bonito ) ser comprado no site loja.olhave.com.br.
*Hélio Campos Mello é fotojornalista. Co-Fundador da Brasileiros Editora Ltda.