É comum que seja perguntado a um escritor qual é o seu emprego. No geral, não se pode conceber que o emprego de um escritor seja baseado em sua própria escrita. Isso porque, no Brasil, a profissionalização do escritor não é uma realidade, exceto para uma minoria.
O paulistano Ricardo Lísias é um desses que consegue viver de literatura. Não apenas dos direitos autorais – embora os seus ainda tenham um bom valor, considerando a média do mercado -, mas de tudo o que envolve sua atividade, como eventos, traduções e pesquisa. “Eu vivo, sim. Não dá pra dizer que seja da melhor forma possível”, brinca Lísias.
Ele é um dos participantes do Ciclo Profissão: Escritor, realizado na Estação das Letras, no Rio de Janeiro, no sábado (14). A atividade, que tem curadoria de Michelle Strzoda, traz em seu escopo justamente a ideia da formação de escritores e de tudo o que envolve o meio.
Em um momento em que artistas e técnicos de espetáculos lutam para não terem seu direito a um registro extinto pelo Superior Tribunal Federal, com um movimento intitulado Profissão Artista, Ricardo aborda o fato de escritores serem uma classe que não tem registro. Segundo ele, o registro traria uma facilidade aos escritores, que sofrem com burocracias para participarem de eventos, por exemplo.
“Muitos lugares exigem que o autor tenha pessoa jurídica (PJ) para poder participar de atividades”, conta Lísias, que, pouco antes da entrevista, tinha acabado de ser desconvidado de um evento por esse motivo, já que não possui PJ. Ainda sobre a luta dos artistas e técnicos de espetáculos, ele afirma: “Minha preocupação é que isso está sendo feito em um momento de subtração de direitos”.
Para o autor, a profissionalização do escritor só será possível quando surgir no Brasil uma quantidade maior de público-leitor de literatura: “Temos um público-leitor de entretenimento, mas de literatura – a considerada como arte – não é tão amplo”. Ricardo concorda, então, que a questão deve-se passar pela educação de base escolar, que formaria esse público leitor. Segundo ele, isso possibilitaria que existissem mais pessoas dispostas a participar de eventos como encontros com escritores, por exemplo.
Ricardo também acredita que uma das saídas para que haja essa profissionalização é ter cursos de escrita criativa melhor incorporados no país. “Acho que a universidade deveria ter esses cursos, que eu saiba só tem um na PUC do Rio Grande do Sul”. Em outros lugares do país, cursos de escrita criativa não fazem parte de um currículo fixo.
Leia trecho de entrevista cedida a Daniel de Mesquita Benevides para a edição 74 da Revista Brasileiros, no qual Lísias fala sobre sua literatura:
Brasileiros – Você falou que escrever foi uma forma de terapia, de resistência?
Ricardo – Não sei se foi uma forma de resistência. Escrevi alguns textos posteriores a um trauma que eu tive, textos de ficção, não sei se de resistência como comprovação de que eu era capaz de continuar o trabalho, talvez.
Brasileiros – O que te move a escrever?
Ricardo – Acredito que é algo que eu faça mais ou menos bem, escrevo todos os dias de manhã há mais ou menos 12 anos e isso me faz sentir melhor. Descarto textos, raramente eu publico, mas em dez anos acho que houve 20 dias que eu não tenha escrito. Mesmo no dia de Natal ou Ano Novo. Hoje, por exemplo, eu escrevi. Quando não dá, aí é um dia ruim para mim.
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