- Ligia Braslauskas
É inegável a força do nome do fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado. Entre os grandes da fotografia mundial, é mestre na arte de construir narrativas densas por meiode um jogo fascinante de luzes e sombras. Não por acaso, sua obra e vida estão retratadas na produção cinematográfica O Sal da Terra. Apresentado no Festival de Cannes de 2014, ganhou o Prêmio Especial do Júri, da seção Um Certo Olhar, e foi eleito o Melhor Filme pelo público no Festival de San Sebastián, na Espanha. Este ano, concorreu ao Oscar, na categoria Melhor Documentário. Dirigido por Juliano Ribeiro Salgado, filho do fotógrafo, e pelo diretor alemão Wim Wenders, O Sal da Terra foi selecionado em um universo de 134 inscritos na academia, mas não levou a estatueta, que ficou com Citizenfour, dirigido pela americana Laura Poitras, baseado na história de Edward Snowden, o ex-analista da CIA que vazou informações sigilosas e comprometedoras do governo dos Estados Unidos.
Teria sido ótimo vencer, mas vale lembrar que outras produções que colocaram o Brasil sob os holofotes também foram indicadas, não ganharam e entraram para a história. Caso, entre outros, de Central do Brasil (produção Brasil-França) e Lixo Extraordinário (Brasil-Reino Unido). Nesta edição do Oscar, os brasileiros agraciados indiretamente foram Vivian Aguiar-Buff e Antonio Andrade, que fazem parte da equipe técnica de Operação Big-Hero, da Disney, vencedor da categoria Melhor Animação.
O Sal da Terra, produção brasileira, francesa e italiana pre- vista para entrar em circuito comercial no dia 26 deste mês de março, conta um pouco da longa trajetória de Salgado e apresenta os bastidores do ambicioso projeto Gênesis, expedição que teve início em 2004, com o objetivo de registrar regiões do planeta inexploradas. Parte do resultado dessa viagem, que terminou em 2012, está no livro homônimo da expedição, pela editora alemã Taschen.
Em O Sal da Terra, os dois diretores contam o envolvimento que têm com a obra de Sebastião Salgado e o próprio fotógrafo faz observações sobre seu trabalho. Quem assiste ao documentário, se sente um tanto em viagem, tamanha a beleza das imagens. Wim Wenders, que dispensa maiores apresentações, surpreende o espectador. O ficcionista que enriqueceu o Novo Cinema Alemão, movimento que surgiu no início dos anos 1960, fala do choque emocional que sentiu quando se deparou, pela primeira vez, com uma imagem feita pelas lentes de Sebastião. Foi uma fotografia de 1986, dos trabalhadores de Serra Pelada, no sudeste do Estado do Pará, à procura de pedras preciosas. Essa imagem faz parte de uma série que retrata questões sociais. Como se sabe, na época do registro, Serra Pelada era cenário de um contexto tenso e de grande perplexidade humana.
Emocionante também a participação de Juliano, 41 anos. O filho do homem de tantas imagens belas e raras, que nasceu e cresceu na França, revela que não tinha uma relação estreita com o pai. As longas viagens e as ausências de casa por causa do trabalho provocaram uma distância entre os dois. Em entrevista à Brasileiros, Juliano afirma que sentia muita falta do pai, apesar de entender que havia algo de especial no trabalho dele. “Eu tinha consciência de que meu pai fazia algo grande, que poucos conseguem fazer. Eu tinha uns 10 anos, quando seu trabalho começou a ter mais destaque, as fotos dele saíam nas primeiras páginas de jornais franceses. Saber que Tião havia encontrado um lugar para a fotografia amenizava a ausência que eu sentia dele. Mas guardei certo ressentimento, que só mudou com a realização do filme.”
Depois de um conversa com Wenders, Juliano concluiu que compartilhava da mesma opinião do amigo alemão sobre Sebastião Salgado: mais do que um grande fotógrafo, ele é dono de um trabalho particular e precioso, que o tornou uma espécie de testemunha ocular, no sentido literal da palavra, do passado recente da humanidade. Perceber essa dimensão foi um dos principais pontos de partida de O Sal da Terra. Mas a guinada que permitiu a realização do documentário aconteceu quando Juliano acompanhou o pai em uma expedição à tribo indígena Zo’é, nativa e isolada, na região noroeste do Pará.
Lá, Juliano fez muitas fotos e vídeos, e na volta tomou a decisão de revelar ao pai o que tinha capturado em suas lentes. “Ele ficou emocionado com o que viu e isso tocou nossa relação. Meu pai é uma pessoa da imagem, entende dessas coisas. Esse momento abriu a porta para que eu pudesse pensar nesse filme, que fala sobre ele. Tião aceitou meu olhar”, diz Juliano à reportagem da Brasileiros. O filme não poderia ser diferente. Boa parte da história de Sebastião Salgado é contada por meio de suas fotografias, imagens de arquivo e recentes, feitas durante a expedição Gênesis, além de filmagens em preto e branco e coloridas.
Mineiro de Aimorés, Sebastião Salgado nasceu em 1944. Ainda jovem, seguiu para Vitória, em busca de formação universitária em Economia, na Universidade Federal do Espírito Santo. Depois, seguiu para São Paulo, onde fez mestrado, na mesma área, na USP. Foi no campus acadêmico que Sebastião Salgado conheceu Lélia Deluiz Wanick, com quem se casou.
Nos anos 1960, engajados em movimentos políticos contra o regime militar, eles foram obrigados a deixar o Brasil para viver em Paris.
Na capital francesa, Sebastião Salgado, ainda no papel de economista, começou uma carreira promissora no Banco Mundial. Mas a vida dá muitas voltas. Lélia ganhou de presente uma câmera fotográfica que mudou radicalmente a vida do marido. Com essa máquina, ele descobriu sua nova paixão. Foi um sentimento tão intenso que fez com que ele largasse tudo para se dedicar totalmente à fotografia.
É o que conta O Sal da Terra, um documentário que apresenta uma seleção extraordinária de imagens. É tão exuberante plasticamente que quase não se percebe a trilha sonora, assinada pelo ator e diretor francês Laurent Petitgand. Mas é justamente essa união de elementos sutis que faz o filme ter rara beleza, um retrato lírico de um fotógrafo que vê o mundo com todas as complexidades, contradições e poesia.
Leia aqui a entrevista completa com Juliano Ribeiro Salgado.