Em 2020, o Clube de Colecionadores de Fotografia do MAM-SP completa 20 anos. Criado por iniciativa da então curadora executiva Rejane Cintrão, o grupo surge em um momento em que a fotografia começa a ser, de fato, legitimada como arte pelas instituições do mundo. A criação do Clube no começo nos anos 2000 fez do MAM-SP um “protagonista no Brasil em entender que a produção contemporânea precisava ser integrada, pesquisada e preservada no acervo”, como afirma Eder Chiodetto, curador do Clube desde 2006.
Em cada edição anual, cinco artistas são convidados a participar doando suas obras ao museu. Existem três formas de associação ao Clube, que variam de acordo com o número de obras adquiridas. Há ainda a possibilidade de obtê-las de forma avulsa. Com valor máximo de R$ 6200 – para as cinco obras daquele ano – o Clube contribui para a democratização do colecionismo ao oferecer obras por um valor mais acessível, que atrai um novo contingente de pessoas. Isso acaba por contribuir para o melhor conhecimento da produção dos artistas e também para aumentar a frequência no museu. A diversidade geográfica, de gênero, de temas tratados e de linguagens e experiências também integra esse fator democratizante.
Exposição comemorativa e as ações virtuais
Para celebrar o aniversário, a equipe curatorial preparava a montagem de uma exposição inédita com todos os artistas que participaram do Clube – “já havia obras montadas na parede expositiva, o catálogo sendo impresso na gráfica, convite distribuído”, conta Chiodetto. A abertura da mostra, no entanto, foi impossibilitada pelo decreto da quarentena. “Imaginávamos em um primeiro momento – ou desejávamos pensar assim – que haveria um adiamento da abertura por alguns meses e logo tudo voltaria ao normal”, conta o curador. “Agora temos uma previsão a ser reavaliada de fazer a mostra em janeiro, com as restrições necessárias”, complementa.
Por conta disso, a exposição não foi adaptada ao ambiente virtual, como outras ações realizadas pelo MAM-SP desde o começo da quarentena. Semanalmente, a instituição promove encontros virtuais em suas redes sociais; há ainda ações como o Histórias do Acervo, onde a equipe aborda obras que o museu possui trazendo um pouco da sua trajetória na legenda; o Artista da Semana; o MAM Para Ouvir; e o MAM Educativo. Sem contar que a instituição mantém uma série de cursos online.
Com as mostras virtuais fazendo parte de uma nova dinâmica, e sendo mais necessárias para a democratização da arte, Chiodetto reforça, no entanto, a importância de estar frente a frente com a obra de arte: “É Insuperável esse contato aurático com a obra. No caso das fotografias, por exemplo, avançaram sobremaneira as formas de se pensar o acabamento da obra, o tipo de impressão, as gamas infinitas de texturas de papéis. Tem ainda a luz, a disposição pensada das imagens em relação umas com as outras. É preciso estratégias assim para que a gente readquira a capacidade de contemplar, pois de fato a velocidade e o excesso de informação e impulsos a que somos submetidos no contemporâneo nos subtraiu muito a capacidade contemplativa.”
Preservar a fotografia
Embora o projeto tenha integrado 102 obras ao museu, para Chiodetto o Clube ainda é “uma porta de entrada tímida”. O curador lembra que no Brasil ainda não há um órgão oficial responsável por captar, organizar e preservar a fotografia brasileira. Segundo ele, “de forma não sistematizada e repleta de lacunas, esse papel acaba sendo feito por alguma instituição como o IMS, o Itaú Cultural e alguns poucos museus como o MAM-SP, MAM-RJ, MAC-USP e, mais recentemente, o MAR.”
Essa é uma questão que perdura há algum tempo. Já no 1º Fórum Latino-Americano de Fotografia de São Paulo, o fotógrafo Iatã Cannabrava fazia o mesmo questionamento. Com o passar do tempo, no entanto, a questão do digital soma-se à problemática. A fotografia digital aparece com maior centralidade agora do que a fotografia em película e pode ser arquivada em computadores e HDs. “Será que sobreviverão e se sobreviverem teremos como acessá-los daqui a 50, 100 anos, quando pesquisadores quiserem investigar a iconografia do nosso tempo? O que acontecerá com os arquivos dessa geração a partir da virada do século? Teremos uma amnésia iconográfica?”, questiona Chiodetto, lembrando que trabalhos importante de preservação da fotografia brasileira – como o realizado pelo IMS com os registros dos anos 1940 a 1970 – partiram do resgate de originais em negativos e cópias fotográficas, mal ou bem preservados, com familiares dos fotógrafos da época. Por isso, para ele, é necessário um organismo que equacione tudo isso.
Neste ano, participam do clube Avaf, Cinthia Marcelle, Daniel Senise, Ivan Grilo e Lia Chaia. Excepcionalmente para os 20 anos do Clube, o museu produzirá a obra Menina de branco, festa do Bonfim, Salvador 1994, do artista Mario Cravo Neto, para aquisição avulsa. Nota-se que nem todos utilizam a fotografia como meio primário em suas obras. Esse é um ponto de interesse para a curadoria atual, um exercício proposto a esses “não fotógrafos”, como foram os casos de Jac Leirner, Sandra Cinto, Nelson Lerner, Waltércio Caldas, Regina Silveira, José Patrício, Marcelo Silveira, Adriana Varejão, o próprio Nuno Ramos, que realizou a obra esse ano. Chiodetto lamenta que Tunga não tenha participado do Clube em vida. “Infelizmente o perdemos muito cedo.” Quando questionado sobre os outros artistas que convidaria para o exercício no Clube, ele confessa: “Há outros nomes que estão na minha lista impertinente de provocações, mas é segredo”.