Vozes Contra o Racismo
Projeção com a imagem de Tereza de Benguela na Igreja do Rosário dos Homens Pretos da Penha, no Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha. Foto: Helio Menezes.

Entre os dias 24 de julho e 24 de agosto, a Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo (SMC), em parceria com a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, e a Coordenadoria de Promoção da Igualdade Racial, lança o Vozes Contra o Racismo. O projeto tem curadoria feita por Amarilis Costa, Helio Menezes, Ligia Rocha e Thamires Cordeiro, e conta com uma série de intervenções artísticas – de grafitti e lambes a projeções e até um webnário – visando valorizar o trabalho de artistas negros e indígenas.

O projeto surgiu a partir da inquietação desses quatro curadores que o apresentaram à SMC. A Secretaria abraçou a iniciativa e – em articulação com as outras entidades – foi dando corpo à ideia. Vozes saiu do papel no intervalo de um mês desde seu pleito. “O fato de estarmos em grande maioria trabalhando remotamente tem suas limitações, mas também tem suas potencialidades, e uma delas é de acelerar esse tempo, dos processos de conversa com os artistas, de elaboração dos projetos, de mapeamento dos locais, das visitas técnicas”, conta o curador Helio Menezes.

A princípio, o que seria uma mostra espalhada pela cidade também ganhou a dimensão de um seminário online, o Diálogos Cultura Presente, que pode ampliar os temas tratados pela exposição trazendo intelectuais, artistas, pensadores, ativistas. A série de debates acontece ao vivo, com finalização no dia 31 de julho, para quem não conseguir assistir na hora, as conversas serão disponibilizadas no canal do YouTube da SMC.

Programação

Vozes Contra o Racismo começa com uma projeção de Denilson Baniwa (capa da edição #50 da arte!brasileiros) que traz um trabalho inédito chamado Brasil Terra Indígena. A obra será realizada durante uma semana (até 30 de julho), à noite, no Monumento às Bandeiras com as luzes apagadas, justamente para dar espaço à projeção realizada pelo Coletivo Coletores.

O vídeo começa com uma caravela portuguesa que é naufragada pela ação dos ventos, da chuva, do fogo, do mar e por isso nunca chega ao porto. A partir desse afundamento surgem bichos, plantas, seres espirituais da cosmologia Baniwa pintados com neon em meio a frases como “Brasil Terra Indígena” e “SP Terra Indígena”. “O artista vai como que re-demarcando, nos relembrando que o local onde aquele monumento do Brecheret está instalado, a cidade de São Paulo e o Brasil são terra indígena. Muda bastante a paisagem que nós estamos acostumados, e nos convida a refletir: o que seria se imaginássemos a cidade de São Paulo sem aquele monumento?”, pondera Menezes.

Não só essa, mas as outras projeções da ação ficam a cargo do Coletores. O coletivo foi formado em 2008 na periferia da Zona Leste da cidade de São Paulo pelos artistas Toni William e Flávio Camargo. Sua produção é realizada “em trânsito”, passando por espaços públicos que vão de áreas em comunidades, ocupações, escolas, universidades, assim como, espaços institucionais voltados para arte e cultura. Suas ações pensam a cidade, as pessoas e as relações entre arte, urbe, tecnologia e o público. A proposta do coletivo é trabalhar a cidade como meio e suporte para suas ações, o que vai ao encontro do que os curadores do Vozes tinham em mente.

Uma intervenção não anunciada

“Os formatos com os quais estamos trabalhando, o grafitti, a videoprojeção, videomapping e os lambes, tem uma dimensão bastante pública, eles se realizam fora dos espaços museais previstos, fora das galerias especializadas, e com isso tem um potencial muito grande de atingir novos públicos” comenta Menezes, somando à proposta de descentralização do Coletores. O curador aponta ainda que esses formatos permitem que tais trabalhos sejam vistos com outros olhares e outras posturas. “Muitas vezes é o tempo da passagem, o tempo que você está no carro, no transporte público, um caminho diário para casa, que você vê a obra de arte e ela talvez te convide a retornar àquela rua”, ele complementa.

O aspecto transitorial e disperso da exposição não foi ao acaso. Para a equipe por trás do Vozes Contra o Racismo um ponto de grande importância era fazer uma mostra que não gerasse aglomerações, uma “intervenção não anunciada” que tivesse o cuidado de não convidar as pessoas a estar fisicamente presente em grupos para vê-la. Menezes nota que esses suportes permitem que as obras sejam vistas à distância, de passagem, e com isso torna-se possível tomar o cuidado devido para por em prática um processo curatorial expositivo em tempos de pandemia.

Para ouvir mais alto

Embora Vozes tenha objetivo de ser uma grande ação cultural de sensibilização e combate ao racismo, isso não significa que os trabalhos apresentados devam ser explicitamente políticos

“Eu penso que a arte tem vários papéis e pode exercer várias funções, a partir dos caminhos e pesquisas que os artistas elaboram e materializam em seus trabalhos, uma dessas possibilidades é de uma arte mais deliberadamente politizada que conclame, que convide à reflexão, à mudança de postura. Embora a produção artística de autoria negra e/ou indígena não necessariamente versem sempre sobre temas mais evidentemente políticos.”, explica Menezes

Na mostra, o debate também é criado através do trabalho artístico que utiliza-se de uma poética voltada aos afetos, voltada à normalização da vida negra representada fora da esfera de violência, de hiperssexualizacao ou de traumas e reencenações da escravidão. “Combater o racismo também é disputar um outro imaginário visual da representação de corpos negros, oferecer um outro repertório visual, histórico e político sobre as vidas das pessoas negras”.

 

 

 

 

 

 

 

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