Na Inglaterra e na Bélgica, monumentos foram destruídos na esteira dos movimentos antirracistas desencadeados pelo assassinato brutal de George Floyd por um policial, nos EUA, há duas semanas, trazendo uma discussão muito necessária: esculturas públicas que exaltam líderes genocidas merecem ser mantidas?
No dia 7 de junho, em Bristol, manifestantes jogaram no rio Avon a estátua de Edward Colston, um traficante de pessoas escravizadas, responsável pelo tráfico de 80 mil africanos, sendo que 20 mil deles morreram no mar.
Já em Antuérpia, nesta terça, 9 de junho, a estátua de Leopoldo II, incendiada na última semana, foi retirada da praça pública para ser inserida em um museu. O monarca, que reinou entre 1865 e 1909, foi o responsável pela morte de 10 milhões de africanos, a maioria da República do Congo, que era uma possessão pessoal de Leopoldo II (1835–1909).
Por aqui, este debate não é novo, especialmente em São Paulo, com vários monumentos que exaltam os milicianos do período colonial brasileiro: os bandeirantes. Dentre eles, o mais famoso, o Monumento às Bandeiras, no Ibirapuera, é o que tem como autor um dos mais reconhecidos artistas modernistas, Victor Brecheret. Inaugurado em 1953, uma maquete da obra chegou a ser exposta na Semana de Arte Moderna de 1922, o que revela o caráter elitista do movimento. Afinal, as bandeiras, como explicam Lilia Schwarcz e Heloisa Starling em Brasil: uma biografia, “dizimaram populações locais”. Essas bandeiras “assumiram a forma militarizada de organização das expedições de caça e escravização dos índios ou de busca de metais preciosos”.
Já há sete anos, em 2013, o monumento de Brecheret foi alvo de um protesto, tendo sido manchado com tinta vermelha. “Ela deixou de ser pedra e sangrou. Deixou de ser um monumento em homenagem aos genocidas que dizimaram nosso povo e transformou-se em um monumento à nossa resistência”, escreveu na época Marcos Tupã, coordenador da Comissão Guarani Yvyrupá. O fato ocorreu quando se discutia a PEC 215 (Proposta de Emenda à Constituição) que transferia a competência da União na demarcação de terras indígenas para o Congresso Nacional e possibilitava a remarcação das terras indígenas.
As manifestações antirracistas vêm colocando em xeque o que se considera como “história universal”. Em geral, essa história é um relato de homens brancos, que ignoram todos os conflitos e resistências, impondo uma visão única. Está na hora, portanto, de descolonizar nossa história e nossos símbolos, ressignificando esses monumentos que exaltam lideranças genocidas.
Em sua conta no Instagram, o artista Banksy faz uma ótima proposta para Bristol: recolocar a estátua de Edward Colston no pedestal, acrescentando, contundo, outras estátuas representando pessoas tentando derrubá-la, tornando permanente, assim, o gesto de reescritura da história.
Não se deve, afinal, apagar a história, ou mesmo fingir de conta que ela não existiu, como se fez com o período da ditadura militar no Brasil. A transição para a democracia sem o enfrentamento com o passado violento é um dos motivos para o pesadelo atual.
É preciso, portanto, rever esses monumentos e recontextualizá-los de forma a que não se esqueça o passado violento que se abateu sobre os povos indígenas, para que ele não mais se repita.