Geometría é a matriz da obra de Almir da Silva Mavignier, artista carioca que morreu no início deste mês em Hamburgo, onde morava. Ele é um dos nomes seminais da abstração geométrica brasileira e, com Mário Pedrosa, Ivan Serpa e Abraham Palatnik criou o núcleo de arte construtiva do Rio de Janeiro, no fim dos anos 1940.
Sua aproximação natural com o geometrismo começa ainda no Brasil, quando problematiza a rigidez e a interpretação gestual do formato inflexível do movimento, ao qual esteve ligado toda sua vida. Recordo que em 1987, quando visitei Mavignier em Hamburgo, na Alemanha, com Ana Mae Barbosa e o crítico Reynaldo Roels, em sua casa ateliê, compreendi o universo de Mavignier, o registro visual e linguístico inspirados em uma estrutura lírica, limpa e asséptica. O movimento corporal, seu modo simples, mas refinado de receber e falar português sem sotaque, apesar dos mais de 50 anos de Alemanha, tudo parecia extensão de sua elegante obra. Assim como Geraldo de Barros e Alexandre Wollner, Mavignier também cursou e ensinou na Escola Superior da Forma, de Ulm, na qual Max Bill, premiado na 1ª Bienal de São Paulo em 1951, foi seu professor.
Falar da produção de Mavignier requer imaginação analítica. A arte para ele é como um olho com retina repleta de ângulos, linhas, pontos, que ilustram um perfeccionismo formal pouco visto na arte brasileira. Sua trajetória começa em 1946 no Rio de Janeiro, onde estuda pintura com Árpád Szenes e, cinco anos depois, já expõe no Museu de Arte Moderna de São Paulo, onde tem contato com as obras de Willi Baumeister, Richard Paul Lohse, Camille Graeser e Verena Loewensberg que o influenciam fortemente. Seu interesse por outsiders o aproxima da psicanalista Nise da Silveira e, entre 1946 e 1951, monta um ateliê no hospital psiquiátrico do Engenho de Dentro, no Rio. A vivência com esses pacientes reforça sua ideia de que a fantasia criativa nasce no interior do indivíduo. Nos anos iniciais, Mavignier produz trabalhos abstratos, desenvolvidos entre a forma geométrica e a figuração orgânica. A experiência com Nise da Silveira o aproxima do crítico Mário Pedrosa e dos artistas Ivan Serpa e Abraham Palatnik, o que muda radicalmente seu trabalho. Mavignier se deixa influenciar pela tese de Pedrosa A Influência da Teoria da Gestalt sobre a Obra de Arte que o faz compreender que o conteúdo de uma forma não se encontra na sua associação com formas da natureza. “Esse conhecimento me permitiu abandonar uma pintura naturalista e iniciar uma pintura de pesquisas concretas de formas livres de associações”.
Destino natural de muitos artistas na época, em 1951 Mavignier muda-se para Paris e, no ano seguinte para Zurique, onde conhece Max Bill, que assumiria a direção da famosa Faculdade de Design de Ulm. Nessa época parece que sua essência era a insatisfação. Uma energia contida, o desejo de descobrir o novo, parecia tomar conta de Mavignier, que já deixara o Rio de Janeiro, Paris, Zurique e decidiu mudar para Ulm. Foi desencorajado por Max Bill, que acreditava que a pequena cidade seria um desafio enorme para um jovem que acabara de deixar a efervescente Paris dos anos 50. Max Bill dizia que “morar em Ulm é para uma nova geração alemã do pós-guerra que foi separada da cultura europeia e não para artistas românticos que vivem em Paris”.
Determinado, Mavignier não lhe deu ouvidos, foi para lá e provou o contrário. Adapta-se facilmente ao ritmo lento da cidade, torna-se bom aluno de Max Bill, Josef Albers, Max Bense, entre outros, torna-se depois professor e faz nome como artista. Mais tarde, transfere-se para Hamburgo onde é convidado a ensinar na Faculdade de Arte. Como designer gráfico, notabiliza-se pela produção de cartazes, que inicia quando estuda com Max Bill, nos quais incorpora novas pesquisas formais. No final dos anos 50, esses cartazes assumem caráter “modular”, como os definia e, em vários deles usa a repetição para transformar elementos compositivos e cromáticos em constantes matemáticas.
Em 1958, Mavignier se aproxima do Grupo Zero, que teve ramificação na Alemanha. Participa de alguns projetos com seus integrantes e, um ano depois, cria seu próprio estúdio em Ulm e se destaca especialmente como designer gráfico. Mavignier permanece na cidade até 1958 quando já atuava como professor na famosa escola. São dessa época imagens pontuais, que parecem vibrar opticamente. A partir de 1960, surgem os famosos “cartazes aditivos”, cada um pensado para ser apresentado ao lado de uma impressão de si mesmo, estabelecendo um trabalho repetitivo e contínuo.
Em nossa conversa em Hamburgo, Mavignier comentou que sua passagem por Ulm e seus professores foram determinantes para desenvolver um trabalho que mais tarde o lançaria no circuito internacional. Sua obra é marcante pela cor que não é apenas um portador de significado. Meu interesse está nas questões de percepção ótica que experimento nas pinturas”.
Mavignier nasceu em 1º de maio de 1925, no Rio de Janeiro e se identificava com a data, mas sem qualquer conotação ideológica. “Produzir diariamente me mantém vivo”. O tempo prova que sua máxima é verdadeira, Mavignier morre aos 93 anos e deixa uma extensa obra reconhecida no Brasil e na Alemanha. Ao contrário do que alguns jornalistas de arte, equivocadamente, insistem em afirmar, alguns artistas brasileiros participam da Documenta de Kassel, desde sua criação em 1955 (ano do chamado milagre econômico alemão) e não só a partir de 1991, como vem sendo publicado constantemente. A prova disso é que Mavignier foi convidado, como brasileiro, por duas vezes, em 1964 e 1968. Na conversa com ele e com o livro Künstlerlexiton mit Registren zu Documenta 1-8, editado pela Verlag Weber & Weidemeyer (Kassel 1987) descubro o que pouca gente do circuito de arte sabe. Na mostra inaugural de 1955 já estava Alberto Di Fiori; em 1959 Fayga Ostrower e Arthur Luiz Pisa; em 1964 Almir Mavignier; em 1968 Almir Mavignier outra vez e Sérgio Camargo (sala montada com ajuda de Maria Bonomi); e em 1977 León Hirszman (cineasta).
As últimas mostras mais significativas de Mavignier foram no Museu de Arte Concreta em Ingolstadt, em 2003, e um ano depois no Museu de Arte Aplicada de Frankfurt com seus Cartazes Aditivos. A Dan galeria de São Paulo, organiza a mostra Momentos de Luz, com cartaz e catálogo e premiados pela APCA. Em sua filial em Nova York, a Galeria Nara Roesler mostrou Almir Mavignier: Forma Privilegiada, em março/abril deste ano.
Com sua morte, o Museu de Ulm organiza uma retrospectiva com obras representativas de vários períodos de Mavignier, o artista que compreendeu que “o presente é tão veloz que não se pode deixar escapá-lo”.