A mostra que esteve no IMS até julho de 2018, Conflitos: Fotografia e Violência Política no Brasil 1889-1964, é uma aula de fotografia, política e História. Negando de forma peremptória a tese oficialista de que o Brasil é uma nação pacífica, a exposição reúne um amplo conjunto de imagens captadas entre dois momentos-chave: a proclamação da República, em 1889, e o Golpe Militar de 1964. A ideia de “mãe gentil” propalada pelo hino nacional e pelos livros escolares se desfaz rapidamente diante da sucessão de registros de conflitos, guerras civis, revoltas, insurreições e muita repressão liderada por um Estado violento nesse intervalo de 75 anos.
Como sintetiza a cientista política Angela Alonso, em um dos textos introdutórios do alentado catálogo da exposição, “os confrontos armados envolvendo governo e Exército bordam nossa história com alta frequência e virulência”. Alguns dos conflitos representados são extremamente conhecidos, como a Guerra de Canudos, a Revolução de 1930 e o suicídio de Getúlio Vargas. Outros passam batido nos livros escolares, como a Revolução de 1924, por exemplo. O mesmo ocorre com as imagens selecionadas. De autorias diversas (assinadas por mestres como Marc Ferrez ou por fotógrafos cuja identidade se perdeu no tempo), essas imagens podem ser lidas de diferentes e enriquecedoras formas.
Em conjunto, elas falam sobre a brutalidade de um país marcado pela violência, no qual “um povo que se insubordina e uma elite que não se civiliza” têm sua relação mediada sempre pelo conflito. Traçam também um interessante painel sobre a diversidade e evolução da imagem fotográfica no país, desde as técnicas mais antigas, em prática no século XIX, até a utilização massiva das imagens pela imprensa, passando por momentos distintos como o uso recorrente do cartão postal e as primeiras experiências com a fotografia em movimento (precursoras do cinema). Em todos os casos, com maior ou menor intensidade, fica evidente o uso político da imagem como arma de convencimento e testemunho. Como lembra Heloisa Espada, curadora da exposição e autora do catálogo juntamente com Angela Alonso, “toda imagem realizada num conflito é interessada”.
Em muitos casos, o que essas imagens registram não é a ação propriamente dita. Temos diante dos olhos o palco dos conflitos, seus atores e as marcas de destruição depois que a violência ocorreu, que sempre coloca de um lado o poder constituído e de outro os derrotados. Da primeira imagem, que registra um grupo que posa antes da degola de um inimigo na Revolução Federalista de 1894, ao registro final, que recorda a brutal repressão e tortura à qual foi submetida o líder comunista Gregório Bezerra em 1964, surge um número amplíssimo de questões, muitas delas tratadas detalhadamente por um diversidade de ensaios reunidos no livro/catálogo.
Do ponto de vista do registro da imagem, é possível notar como a melhoria dos recursos técnicos permite uma captura mais “realista” da cena. A pose dá lugar a uma imagem capturada no calor da hora, como os registros feitos por Evandro Teixeira nas primeiras horas do golpe militar (1964). Isso não se traduz necessariamente em uma maior dramaticidade. Difícil superar o caráter trágico de imagens como as que mostram o corpo do inimigo aniquilado, numa clara estratégia de reafirmação do poder. Vale citar, por exemplo, os registros das cabeças decapitadas de Lampião e outros cangaceiros (foto anônima, 1938) ou do corpo morto e exumado de Antônio Conselheiro (Flávio de Barros, 1897). Nem tampouco que a velocidade do fotojornalismo tenha substituído integralmente o controle da pose e da composição por parte dos fotógrafos, estratégias de organização interna da imagem que se repetem ao longo das décadas.
Outro aspecto que se destaca nessa trajetória, ao mesmo tempo histórica e técnica, é como evoluem de forma quase paralela a maneira de registrar os conflitos e a forma como eles são realizados. Em outras palavras, o avanço tecnológico não tem impacto apenas sobre as formas de registrar e distribuir as imagens, mas também tem seus efeitos sobre as formas de combate. Conflito a conflito, a mostra nos revela como pouco a pouco a faca vai dando lugar ao poder cada vez mais destrutivo de canhões e bombas lançadas dos ares.