"Digo e tenho dito", de Anna Maria Maiolino. Ubu Editora, 2022. Foto: Reprodução

Entre biografias de importantes figuras internacionais, livros de autoria de importantes artistas brasileiros e teorias que questionam os olhares hegemônicos sobre a cultura, muitas publicações que envolvem o mundo das artes foram publicadas em 2022. A arte!brasileiros preparou uma lista com 12 livros lançados recentemente que nos provocam a repensar a arte no Brasil e no mundo.

Digo e tenho dito, de Anna Maria Maiolino

Reconhecida por sua produção nas artes visuais, Maiolino sempre teve, ao longo de cinquenta anos de trajetória, uma produção literária. Neste livro, lançado pela Ubu Editora, a artista reúne um corpo inédito de textos em prosa e poemas, que acompanha e tensiona sua produção plástica. Ela narra memórias ambivalentes da família imigrante; o pertencimento ou não pertencimento às várias terras que habitou, o mais íntimo da relação com amigos e amores de longa data, a pura existência, a feminilidade constitutiva de sua visão e experiência de mundo, a passagem indelével do tempo: “Agarro o minuto/ o segundo/ o átimo/ o milésimo do milésimo do instante/ somo-subtraio tempo/ até o fim”. Em sua escrita, aparece a materialidade de sua obra plástica. Nela se podem ler também as marcas que a psicanálise lhe deixou. O traçado do desejo e a busca da linguagem não se esgotam nem na imagem, nem na palavra, mas insistem em se fazer presentes, no caso de Maiolino, como criação artística. Saiba mais sobre Digo e tenho dito.

A água é uma máquina do tempo, de Aline Motta
“A água é uma máquina do tempo”, de Aline Motta. Fósforo Editora, 2022. Foto: Reprodução

Entre palavra e imagem, entre arquivo e fabulação, o livro de Aline Motta reúne diversas linguagens artísticas e reconfigura memórias ao se valer de uma percepção não-linear do tempo. Construindo um mosaico fluido de épocas a partir de documentos históricos, a artista-escritora cruza diversos planos entre si, num percurso que passa pelo luto por sua mãe e vai até o Rio de Janeiro de fins do século 19, através dos fragmentos que reconstroem as vidas de Ambrosina e Michaela, antepassadas da autora. Ao aliar criação e pesquisa, Aline Motta expõe as várias formas de rasura que a herança colonial impõe à nossa história. Na orelha do livro, Ricardo Aleixo escreve: “No afã de dar corpo a esse ‘tentar narrar’ o talvez inenarrável – as lacunas, fendas, dobras, os invisíveis liames, os desvãos da história –, Aline nos oferta uma obra que, em suas palavras, resulta de um processo de criação tão obsessivo e extenuante que bem pode ser definido como uma espécie de possessão”. Saiba mais sobre A água é uma máquina do tempo.

 

Uma africana no Louvre, de Anne Lafont
“Uma africana no Louvre: o lugar do modelo”, de Anne Lafont. Bazar do Tempo, 2022. Foto: Reprodução

No quadro pintado em 1800 por Marie-Guillemine Benoist, então uma artista parisiense de 38 anos, uma jovem negra exibe uma pose ao mesmo tempo altiva e serena. A maneira como a bela africana é representada procede de uma construção revolucionária, tanto do ponto de vista artístico quanto do histórico. A obra mudaria de nome algumas vezes, acompanhando mudanças de perspectiva da própria história da arte, até que Madeleine, a modelo, aparece como protagonista de uma historiografia renovada pelas questões da África diaspórica na época do tráfico atlântico. Esta é a história que Anne Lafont quer contar: “Exposta no Louvre em 1800, a obra foi objeto de inúmeros comentários publicados em libelos e jornais da época. Logo, ainda seria possível acrescentar mais uma pedra ao seu edifício interpretativo, uma pedra colonial. É o que me proponho a fazer neste livro.”  A publicação, recém traduzida para o português pela Bazar do Tempo, ressalta a necessidade de revermos a história a partir de perspectivas de valorização das personagens negras, da reparação e da decolonialidade. Saiba mais sobre Uma africana no Louvre: o lugar do modelo. Em setembro, a tradutora da obra, Ligia Fonseca Ferreira, falou sobre o assunto no Seminário Cultura Democracia e Reparação, confira.

O futuro do museu: 28 diálogos, de André Szántó
“O futuro dos museus”, de André Szántó. Cobogó, 2022. Foto: Reprodução

Qual o papel dos museus nos dias de hoje? Em um mundo em que a desigualdade se aprofunda, em meio a crises políticas e ambientais, como combinar novas abordagens de curadoria, engajamento de público, tecnologia, inclusão e aprendizagem para expandir o papel da arte e da cultura na sociedade? Para entender os caminhos possíveis para essas respostas András Szántó, escritor e editor baseado em Nova York, entrevistou 28 curadores e diretores de alguns dos mais importantes museus de todos os continentes. O resultado é um livro que mostra uma paisagem museológica em transformação e aponta, de diversas formas, que os museus precisam se reinventar constantemente para, alargando a escuta e incorporando as diferenças, reafirmar o papel transformador da arte. Os museus devem existir tanto como lugares de guarda de patrimônio quanto de experimentação na arte e na sociedade – espaços públicos e plurais dedicados ao diálogo de perspectivas autônomas. Saiba mais sobre O futuro do museu.

Aberto pela aduana, de Eustáquio Neves
“Aberto pela aduana”, de Eustáquio Neves. Origem Editora, 2022. Foto: Reprodução

Produzido a partir da manipulação de materiais de arquivo, desenhos, colagens entre outras técnicas, o novo livro da editora Origem retoma a trajetória do fotógrafo Eustáquio Neves – artista mineiro, descendente de pessoas negras escravizadas, que em seu trabalho traz uma história de diásporas e resistências. A publicação nasceu de seu livro de artista que leva o mesmo nome, que faz parte do acervo do Museu Afro Brasil. “Apesar de ter uma estrutura geral semelhante a um livro, a obra é na verdade um objeto de arte que fala por si próprio. Segundo Eustáquio, o nome Aberto pela Aduana foi escolhido para estimular a discussão entorno das múltiplas violações do corpo negro, desde o tráfego negreiro aos dias atuais”, destaca o texto de apresentação. E completa: “Aduana, vale lembrar, é o nome dado a repartição governamental de controle do movimento de entradas (importações) e saídas (exportações) de mercadorias para o exterior ou dele provenientes. E é justamente neste ponto que as relações envolvendo a objetificação de milhares de corpos negros durante o tráfico atlântico e, na contemporaneidade, com os estratosféricos números de mortes por causas violentas de jovens negros em todo o território nacional, são traçadas.” Saiba mais sobre Aberto pela aduana.

“Arte Indígena no Brasil”, de Naine Terena. Editora Oráculo, 2022. Foto: Reprodução
Arte indígena no Brasil, de Naine Terena

A partir de passagens vividas e escutadas pelo mundo afora, a artista, professora e curadora Naine Terena escreve seu novo livro. Como explica a autora, a publicação não procura listar importantes nomes da cena artística, mas “convidar para tomar um cafezinho e falar de arte indígena e cotidiano […] sem pretensão de ser um referencial, mas apenas uma compilação de pensamentos compartilhados. Este texto nasce do anseio de responder alguns questionamentos que as pessoas me fazem, quando falar de arte indígena parece se tornar um imbróglio. Para isso trago algumas ‘imagens’ mentais como chaves interessantes para se pensar as atuações dos sujeitos locais e globais”.  Assim, caminha pelas ideias de midiatização, apagamento das culturas indígenas, ritos de passagem e nos convida a refletir sobre as relações arte e artefato, artista e artesão, cânones artísticos e outras estruturas de saber.  A publicação foi produzida pela Oráculo Comunicação, Educação e Cultura, criada em 2012 por Naine Terena com o objetivo de ser um empreendimento gerador de oportunidades e compromisso com temas que impactam na sociedade. O e-book está disponível de forma gratuita, clique aqui para baixar Arte indígena no Brasil: midiatização, apagamentos e ritos de passagem.

Poética do teatro-folia, de Larissa de Oliveira Neves
“Poética do teatro-folia”, de Larissa de Oliveira Neves. Editora Unicamp, 2022. Foto: Reprodução

O que há em comum entre uma peça escrita por Martins Pena em 1842 e uma escrita por Luís Alberto de Abreu mais de um século e meio depois, em 2010? Além de serem dois dramaturgos brasileiros, ambos observaram e projetaram a espetacularidade da Folia de Reis em suas obras. “Tal percepção criativa, a de conjugar performatividades populares com escrita teatral, tem sido utilizada por autores brasileiros desde que peças começaram a ser redigidas no Brasil”, destaca Larissa de Oliveira Neves. Em seu novo livro, a pesquisadora professora do Departamento de Artes Cênicas da Unicamp discorre sobre a poética do teatro-folia, trazendo à luz a possibilidade de pensar em tais formalidades cênicas enquanto uma poética brasileira. “Trata-se da primeira poética que observa as particularidades da escritura cênica nacional a partir de um parâmetro que se desvencilha de conceitos estrangeiros e demonstra como uma série de peças ganham um novo patamar estético quando analisadas por essa nova ótica”, destaca a descrição da editora Unicamp.  Saiba mais sobre Poética do teatro-folia.

Macacos, de Clayton Nascimento
“Macacos”, de Clayton Nascimento. Cobogó, 2022. Foto: Reprodução

A editora Cobogó lançou MACACOS: Monólogo em 9 episódios e 1 ato, de Clayton Nascimento. O livro consiste na dramaturgia da peça, apontada como uma das melhores do ano pela Folha de S.Paulo e vencedora de diversos prêmios. A partir de episódios de racismo, a encenação aborda o preconceito contra os povos pretos a partir do relato de um homem que busca respostas para o racismo que rodeia seu cotidiano e a história de sua comunidade.  Num fluxo de pensamentos, desabafos e elucidações, a peça traz cenas pautadas na história brasileira, como também em situações vividas por grandes artistas negros: Elza Soares, Machado de Assis e Bessie Smith, até alcançar relatos e estatísticas de jovens negros presos e executados pela polícia militar no Brasil de ontem e de 2022. “A dramaturgia deste trabalho parte da autoficção para estruturar uma narrativa com elementos épicos organizados cenicamente pela figura de um narrador potente, que atravessa tempos, viajando pela parte oculta, perversa, nada heroica da história”, analisa a dramaturga Dione Carlos no prefácio. Saiba mais sobre Macacos.

“Abdias Nascimento: um artista panamefricano”, organizado por Adriano Pedrosa e Aman Carnero. Masp, 2022. Foto: Reprodução
Abdias Nascimento: um artista panamefricano

Organizado por Adriano Pedrosa e Amanda Carneiro, este é o maior livro dedicado à produção artística de Abdias Nascimento – figura fundamental para a vida política e cultural brasileira recente e reconhecida por sua luta em torno da igualdade racial – abrangendo a fase mais prolífica do artista, de 1968 a 1998, e acompanha a exposição do mesmo nome no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand: Abdias Nascimento: um artista panamefricano. O título remete, por um lado, ao pan-africanismo, e, por outro, à expressão “ladino-amefricano”, cunhada pela antropóloga brasileira Lélia Gonzalez (1935-1994) para se referir à cultura negra na América Latina. Ricamente ilustrada, a publicação inclui seis textos especialmente escritos para ocasião e dois textos históricos, reproduzindo 102 pinturas e desenhos, bem como cartazes, documentos e fotos. Trata-se de um livro indispensável para aqueles que desejam conhecer e se aprofundar sobre a excepcional produção artística de Abdias Nascimento e para os interessados na interlocução entre política e cultura visual de movimentos negros, afro-brasileira e da diáspora africana. Saiba mais sobre Abdias Nascimento: um artista panamefricano

“Pier Paolo Pasolini”, de Maria Betânia Amoroso. Editora Nós, 2022. Foto: Cortesia Editora Nós
Pier Paolo Pasolini, de Maria Betânia Amoroso

O livro é uma coletânea de textos de Maria Betânia Amoroso, pesquisadora que há décadas se debruça sobre o trabalho de Pasolini, artista frequentemente lembrado como cineasta, mas que também foi poeta, romancista, dramaturgo, jornalista, editor, tradutor, pintor e crítico de arte. O texto inicial da coletânea centra-se na vida e obra de Pasolini, relacionando-as com o esforço de atualização da Itália em relação ao capitalismo avançado. Já nos textos subsequentes, a autora concentra-se nos escritos dele. A abordagem caracteriza-se pela articulação sóbria entre vida, obra e história. Para os leitores brasileiros, o livro traz interesse especial: além de destacar um poema sobre o Brasil, também nos apresenta como foi a recepção e a interpretação dos seus livros por aqui, mostrando-nos em quais aspectos é pertinente relacionar centro e periferia do capitalismo, no que concerne à obra de Pasolini. Saiba mais sobre o livro Pier Paolo Pasolini, publicado pela editora Nós, e leia a matéria de Miguel Groisman sobre o centenário do artista.

“Raphael Galvez: Autobiografia”, Editora WMF Martins Fontes, 2022. Foto: Divulgação
Raphael Galvez: Autobiografia

Lembranças de familiares, com descrições das histórias dos imigrantes italianos e espanhóis que chegavam a São Paulo no final do século 20 e se empenharam pela sobrevivência, criação dos filhos e integração na nova cidade, abrem a autobiografia de Raphael Galvez. O livro oferece um relato detalhado da formação do artista na Escola Profissional e no Liceu de Artes e Ofícios, com foco especial na aprendizagem das técnicas de escultura. Por meio destas memórias se encontram informações sobre o ensino artístico mais tradicional em São Paulo, na primeira metade do século 20, seus métodos e seus mestres predominantemente de origem italiana e apegados ao legado clássico. Dá conta de sua atividade profissional de arte funerária e monumentos, e narra também os intervalos prazerosos com companheiros nos vários ateliês que frequentou e nas incursões a recantos bucólicos para pintar.  Evoca lembranças de diversas épocas, desde os encontros com Tarsila, Ramos de Azevedo e Enrico Vio, na juventude, passando pela convivência com os colegas no Sindicato dos Artistas Plásticos e do Grupo Santa Helena, até a convivência, na maturidade, com jovens que dele se aproximaram. Saiba mais sobre a autobiografia de Raphael Galvez clicando aqui e leia a coluna de Tadeu Chiarelli sobre o livro.

“Jair Glass – Introdução a escombros”, de Olivio Tavares Araújo, 2022. Foto: Reprodução
Jair Glass – Introdução a escombros, de Olivio Tavares Araújo

O livro resgata e registra a obra de Jair Glass que, por mais de cinco décadas, vem se dedicando à exploração do desenho, com a criação de um universo e imagética de extrema originalidade. Além de conter texto crítico sobre sua produção, apresenta uma criteriosa seleção de obras e um depoimento do artista sobre sua história. Curador, colecionador, jornalista e crítico de arte, Olívio Tavares de Araújo perpassa importantes momentos da história da arte ocidental, com menção a filósofos, músicos e pensadores que se debruçaram sobre o assunto, para construir um caminho contundente que nos leva ao trabalho de Glass no campo da arte Fantástica. Neste passeio por momentos-chave das artes, o autor menciona técnicas e mestres fundamentais tais como Rembrandt, Van Gogh e Beethoven a Picasso; objeta a mitificação dos artistas e a materialização das artes pelo poder do mercado, para então sobressaltar a singularidade de Glass – tanto em termos do seu conjunto artístico, quanto na forma de ser e estar no mundo, mencionando inclusive sua timidez social. Saiba mais sobre Jair Glass – Introdução a escombros.

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