A exposição A Magia do Manuscrito – Coleção de Pedro Corrêa do Lago, em cartaz no Sesc Avenida Paulista, traz ao público brasileiro aproximadamente 180 documentos manuscritos de figuras de destaque da arte, da política, da ciência e da história. São cartas, fotografias assinadas, partituras e bilhetes de personalidades como Juscelino Kubistcheck, Carmen Miranda, Freud e Ronaldo Fenômeno, entre outros grandes nomes.
A curadoria é do próprio colecionador, o economista e ex-diretor da Biblioteca Nacional, Pedro Corrêa do Lago. Seu hábito de colecionar começou quando ainda era pequeno, “como um simples hobby, e o que eu colecionava eram simples assinaturas, que são os chamados autógrafos, mas autógrafo é uma palavra muito mais ampla que significa qualquer coisa escrita na sua própria letra, só que virou sinônimo praticamente de assinatura e não tem mais como mudar isso, então eu uso a palavra manuscrito… na verdade muitas das coisas que estão [na exposição, não são autógrafos], a exemplo de uma página do [Oscar] Niemeyer que não está assinada, mas é muito mais interessante do que uma simples assinatura dele no papel”.
Mesmo depois de 50 anos colecionando, Pedro afirma que sua curiosidade continua muito acesa: “O grande prazer da minha vida foi a aquisição do conhecimento, sob todas as formas. Eu tive a sorte de ter um trabalho que me fazia viajar muito, o fato do meu pai ter me levado nos postos dele como diplomata para viver em outros países quando eu era garoto me ensinou diferentes línguas, culturas e isso abriu muito os horizontes”. A coleção de manuscritos pode ser dividida em seis áreas, a história, a literatura, a música, a ciência, o entretenimento e a arte – “fico fascinado pelas cartas dos pintores, sobretudo quando é uma troca entre um e o outro, o Monet escrevendo pro Manet, por exemplo”. E, na ambição de cobrir todas, a coleção torna-se abrangente e, praticamente, panorâmica de todos esses setores, sobretudo no mundo ocidental e desde 1500, como destaca o colecionador, embora faça a ressalva que “esses documentos são patrimônio da humanidade, estão na minha posse temporária, aprecio muito tê-los, mas eu tenho uma obrigação com relação a eles. A primeira obrigação é conservá-los, a segunda obrigação é divulgá-los” – os documentos da coleção Corrêa do Lago são, não raramente, emprestados a instituições e pesquisadores, seguindo tal mote de compartilhar o conhecimento histórico que eles guardam.
Já em relação à conservação, Pedro observa algo que pode surpreender: “A maior parte desses documentos é mais forte do que a gente imagina; muitos deles estão escritos em papel de trapo que é um papel que era usado até o século XIX, que é muito mais resistente e vai continuar branco daqui a mil anos quando o papel que a gente usa hoje já tiver virado pó”. Ele aponta ainda que os grandes inimigos na conservação de tais documentos são o fogo e a umidade: “Essas peças são conservadas em arquivos à prova de fogo, seu entorno pode queimar a mil graus durante uma hora que o interior [da estrutura] não fica danificado e protege também da água que os bombeiros vão jogar para apagar esse fogo”, e brinca, “[mas] eu nunca testei, graças a Deus”. Quando expostos, no entanto, outro desafio à conservação dessas peças está, na verdade, relacionado ao que está escrito nelas, mais especificamente sua tinta, neste ponto Pedro comenta que “alguns [documentos] vão permanecer iguais, mas a maioria é sensível e pode desbotar, então eu sou muito contrário, por exemplo, a você emoldurar documentos a não ser que você os mantenha em lugares muito protegidos da luz”.
Entre descobertas e curiosidades históricas, a exposição fornece um olhar sobre a mudança dos costumes e também da sociedade em maior escala. Em meio a tantas cartas de figuras notórias é impossível não refletir sobre a transformação da comunicação nas últimas décadas. “As cartas estão fisicamente desaparecendo, mas a comunicação escrita talvez esteja até mais intensa. É claro através de e-mails, através das mensagens, mas eu tenho a impressão que a minha geração escrevia menos do que a atual”, observa Pedro, “só que a carta era a única opção possível [de comunicação] com uma pessoa distante, foi aliás por isso que os correios se desenvolveram tanto, porque elas eram fundamentais, inclusive para o comércio. Eu confesso que sou de uma geração que ainda escrevia cartas, de vez em quando uma pessoa me apresenta uma carta que escrevi há 40 anos, é uma coisa até engraçada… Isso mudou, realmente, a carta, o correio, a coisa de você escrever a mão e ir pro correio colocar, isso está se perdendo, mas, no fundo, o que não se perde é a mensagem”.
A mensagem, em alguns casos desses manuscritos, pode nunca ter visto a luz do dia antes. Desta forma, elas acabam revelando constantemente, segundo o curador, coisas admiráveis e deploráveis sobre seus autores. “Todas as grandes figuras tem momentos que nós preferimos que não tivessem ocorrido, e elas próprias, muitas vezes, lamentam essas fases… O maior erro é você julgar o que é dito em determinado contexto com a visão de hoje”.
Infelizmente, para A Magia do Manuscrito não foi possível realizar a transcrição completa dessas relíquias, mas parte da coleção foi transcrita quando de sua exposição na Morgan Library & Museum de Nova York, em 2018; embora a seleção de peças seja ligeiramente diferente – considerando sua adaptação e costura para o público brasileiro – o catálogo resultante da mostra de 2018 foi publicado pela editora alemã Taschen, traduzido para o português e pode ser conferido no Sesc Avenida Paulista. Ao comparar as duas ocasiões, Pedro exprime que a oportunidade de apresentar a coleção no Sesc foi “extremamente estimulante”, principalmente no que concerne essa nova seleção, feita junto com a equipe da instituição, para que não faltassem nomes que pudessem tocar mais o público atual, “tudo isso mostra que essa coleção está sempre em movimento, a própria apreciação do que é importante na cultura e na história está mudando constantemente”.
SERVIÇO
A Magia do Manuscrito
Coleção de Pedro Corrêa do Lago
Sesc Avenida Paulista – Avenida Paulista, 119 – Arte I (5° andar)
GRÁTIS – Livre
Visitação:
28/9/2022 a 15/1/2023
Terça a sexta, das 10h às 21h30
Sábados, domingos e feriados, das 10h às 18h30