Ao expor uma série de carros italianos clássicos, mostrar vídeos de corridas de Fórmula 1, dedicar uma sala aos sons de motores e outra à miniaturas de automóveis antigos, a exposição Beleza em Movimento – Ícones do Design Italiano pode parecer uma mostra voltada ao nicho específico dos chamados “amantes de automóveis”. Com um olhar mais atento, no entanto, logo percebe-se que ela vai muito além disso.
Em vasto espaço da Casa Fiat de Cultura, em Belo Horizonte, a exposição se dedica a adentrar o universo do design italiano a partir de prestigiados modelos de automóveis, mas também de uma série de obras de arte, móveis, objetos e utensílios domésticos, além de instalações multimídia, vídeos e uma detalhada linha do tempo. Através deste vasto leque de linguagens e suportes, a mostra aborda de modo amplo o design do país europeu, destacando os contextos cultural e socioeconômico que possibilitaram seu desenvolvimento ao longo do século 20.
“Podemos considerar estes objetos em geral, incluindo automóveis, como parte de uma grande filosofia que surge para lidar com a produção industrial, principalmente, e que se manifesta no design italiano com uma inspiração lírica que o torna único”, explica a arquiteta e historiadora italiana Maddalena D’Alfonso, colaboradora de Peter Fassbender na curadoria da mostra. “Isso significa conectar as novas tecnologias a uma maneira de enfrentar o futuro, com formas inovadoras, não simplesmente pelos materiais e técnicas utilizados, mas pelo desejo de transferir nos produtos uma sabedoria artística”, completa ela.
A especificidade do design italiano – relacionada ao seu diálogo com a fantasia e a utopia, a sensualidade e a ironia, o futurismo e o surrealismo – fica explícita em peças como Radiofonografo RR126 (1965), aparelho de rádio modular projetado por Achille e Pier Giacomo Castiglioni; a máquina de escrever portátil Valentine (1968), desenhada por Ettore Sottsass; a poltrona UP5, de Gaetano Pesce; os Talheres de Campeggio (1970), de Roberto Sambonet; as chaleiras da Coleção Alessi (1985); e muitos outros.
Os veículos apresentados são produções de cinco dos principais escritórios de design de carros da Itália no século 20 (as carrozerias), que têm suas histórias contadas na mostra. São elas Bertone (1912), Zagato (1919), Touring Superleggera (1926), Pininfarina (1930) e GFG Style (1960), representadas por modelos clássicos como Lamborghini 400 GT, Alfa Romeo Giulia Sprint Speciale, DeLorean DMC-12 – imortalizado na trilogia De Volta para o Futuro –, Ferrari Testarossa e Maserati Ghibili.
“São carros e objetos que tem senso de humor, que surpreendem com formas muito emocionais, muito mais do que em outros países”, explica Fassbender. “Funcional tudo pode ser, mas sobre esse lado do encanto, sobre o quanto você consegue colocar emoção em um objeto, nisso o design italiano se destaca como nenhum outro”, completa, dando como exemplo o sofá Bocca (1970), peça do Studio 65 inspirada nos lábios de Marylin Monroe.
Os objetos expostos ao longo da mostra, segundo D’Alfonso, mostram ainda o desejo de transformar o comum em algo fantástico. “A vida cotidiana é pesada, cansativa, repetitiva. Ao mesmo tempo, o prazer das coisas pequenas é único, é a poesia da vida, algo que permanece. Seja beber um café, tomar um copo de água, cozinhar, sentar em uma cadeira acolhedora. Então o design italiano pretende construir uma narrativa sobre essa pequena parte da vida, deixando que ela vire protagonista, que a poesia dos atos mínimos possa se manifestar”, afirma. “E isso se pode fazer construindo no objeto uma particularidade, uma surpresa, uma expectativa. Essa dramaturgia do objeto é fundamental para perceber o que simboliza o design italiano.”
Futurismo e cinema
Em uma sala logo no início da mostra – precedida apenas por uma instalação com um vídeo didático sobre a história do design na Europa –, quadros e esculturas futuristas contextualizam o que virá a seguir, apresentando pressupostos artísticos fundamentais para o design italiano. Obras de Umberto Boccioni emprestadas do MAC-SP – como a célebre escultura Formas Únicas de Continuidade no Espaço (1913) – dividem espaço com trabalhos de outros artistas como Pietro Consagra, Giulio Turcato e Emilio Vedova.
“O vínculo com o futurismo faz parte dessa filosofia de olhar para a frente, esse espirito impulsivo, ousado, muscular, com vontade de avançar sem olhar no espelho retrovisor. É uma força que interpreta a tecnologia, que pega essas oportunidades tecnológicas e constrói algo novo. O desejo de construir um futuro vivo, onde podemos ser pessoas novas, nos reimaginar”, explica D’Alfonso.
Neste sentido, os carros expostos se associam a este pensamento moderno, no qual o automóvel surgia como possibilidade de transformação e melhoria de vida, especialmente após a destruição e os traumas causados pela Segunda Guerra Mundial. Isso fica explícito na sala imersiva que apresenta trechos de filmes neorrealistas italianos, de Vittorio de Sica, Federico Fellini, Dino Risi e Michelangelo Antonioni.
“Talvez o lugar em que está mais compreensível essa importância do carro como produto cultural, e não apenas produto industrial ou de uma economia, é o cinema. O carro ali é o símbolo de liberdade, parte de uma sociedade moderna. No neorrealismo, que mostra uma Itália no pós-guerra, pobre, querendo se transformar, o carro aparece como algo que dá uma esperança”, afirma a curadora. “E é isso que queremos transmitir na exposição, que o automóvel não é apenas um objeto, sem alma, mas é um objeto que carrega uma grande carga de utopia.”
Assim como o carro é tratado como produto cultural ligado ao contexto social, o design de carros aparece como produto artístico. “Eu sempre tento explicar que quem faz o design dos carros não é o engenheiro, mas o artista”, explica Fassbender, que é diretor do Design Center LATAM da Fiat Chrysler Automóveis. “Nossa formação é artística, e na exposição tentamos mostrar isso. Por trás de cada carro está sempre a criação, o desenho e o lápis”, conclui o curador.
Beleza em Movimento – Ícones do Design Italiano
Casa Fiat de Cultura – Praça da Liberdade, 10, Belo Horizonte
Até 3 de novembro
Entrada gratuita
* o jornalista viajou à convite da Casa Fiat de Cultura