Apreendido pela Receita Federal em 2009, a obra Claudius, 1986, do artista alemão Gerard Richter, foi passada para o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) que, em abril do ano seguinte, concedeu a guarda provisória da peça pelo Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC USP), justamente quando eu assumia a direção do Museu.
Durante algum tempo o museu solicitou que a obra lhe fosse doada ou então recolhida pelo IPHAN. Uma obra valiosa como Claudius, sob a guarda provisória de um museu público como o MAC USP é sempre uma grande responsabilidade. O IPHAN, no entanto, ignorou nossas demandas, levando-nos a manter a pintura na Reserva, conservando-a com o cuidado devido, porém sem exibi-la (como exibir a obra sobre a qual o museu não tinha nenhum direito, apenas obrigações?) Passados alguns anos, porém, chegamos à conclusão de que a melhor maneira de continuar preservando Claudius era exibi-la, torna-la visível para o público do museu dentro de um espaço com segurança e condições ideais de iluminação, temperatura etc.; e dentro de uma exposição que deixasse claro para todos o quanto seria importante que aquela obra passasse a pertencer ao acervo da instituição – sobretudo naquele momento em que saíamos da Cidade Universitária para nosso novo espaço, o antigo edifício do Detran, no Parque Ibirapuera.
Para a inauguração, o MAC USP organizou uma série potente de exposições em que o acervo da instituição seria o grande protagonista. Nossa ideia (minha e da equipe que coordenava) era mostrar a todos a robustez das coleções que o museu abrigava (e abriga), cujas peças vinham do final do século XIX, início do século XX, até aquelas produzidas nos primeiros anos da segunda década do século XXI. Dentro desse universo estavam inclusas, igualmente, as obras sob a guarda provisória do museu. Foi assim que Claudius pôde ser integrada a uma das mostras que inaugurariam os novos espaços do MAC USP no Ibirapuera e que estava sob minha responsabilidade: O Artista como Autor/ O Artista como Produtor.
Essa exposição – em cartaz entre 15 de junho de 2013 e 13 de setembro de 2015 – colocava em debate duas formulações artísticas típicas dos séculos XX e XXI e, dentro dela, causava muito prazer rever Claudius, de Gerard Richter, ao lado de peças de Cesar Baldaccini, Mônica Nador, Waltercio Caldas e Carmela Gross, entre outros.
Como meu mandato acabou em meados de 2014, deixei o MAC USP com a exposição em cartaz. Terminada a mostra, Claudius voltou para a reserva técnica do museu. Somente no final de 2019 foram iniciadas novas tratativas entre o IPHAN e o MAC, visando a possível doação da obra, o que se tornou real agora, em 2020.
Como é perceptível, dez anos se passaram, entre o início da guarda provisória da obra de Richter pelo MAC USP e sua doação definitiva. Sempre nos surpreende a morosidade das nossas instituições públicas, a capacidade que elas possuem de postergar aquilo que poderia ser resolvido de forma mais ágil. No entanto, estou certo de que, neste caso, valeu a pena a espera. Ao invés de, quem sabe, estar decorando a casa de alguém que só a veria como um investimento financeiro, Claudius agora faz parte de um acervo público que irá continuar conservando-a, estudando-a em suas relações com as outras obras do acervo do museu e, principalmente, exibindo-a para o público de São Paulo e do Brasil.