Destaques Flip 2021
Da esquerda para a direita: Itamar Vieira Junior, Ailton Krenak e Alice Walker. Foto: Divulgação Flip.

Na sua 19ª edição este ano, a Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) traz dezenove encontros que serão transmitidos pelo YouTube da Festa, como também parte de sua programação – as mesas dos finais de semana – será exibida pelo canal Arte1. Todo o eixo temático da Festa de 2021 foi delineado pelo coletivo curatorial no texto “Nhe’éry, Plantas e Literatura” que pode ser lido na íntegra aqui. A cargo da organização do evento estão Hermano Vianna, antropólogo e coordenador desta edição; Anna Dantes, colaboradora da Escola Viva Huni Kuin há mais de dez anos e uma das fundadoras do Selvagem – Ciclo de estudos sobre a vida; Evando Nascimento, escritor e filósofo, pioneiro na reflexão sobre literatura e plantas no Brasil; João Paulo Lima Barreto, Tukano do Alto Rio Negro, doutor em antropologia social pela Universidade Federal do Amazonas e fundador do Centro de Medicina Indígena em Manaus; e Pedro Meira Monteiro, professor da Princeton University e um dos organizadores da oficina Poéticas Amazônicas, no Brazil LAB da Universidade.

Confira a seguir alguns destaques na programação da Flip 2021:

Sábado, 27 de novembro

16h | MESA 1: Nhe’éry Jerá (Abertura)

Cerimônia Guarani, Carlos Papá e Cristine Takuá

Nhe’éry (pronuncia-se nheeri) é como o povo Guarani chama a Mata Atlântica, uma denominação que revela a pluralidade da floresta. Segundo o ensinamento do cineasta e liderança do povo Guarani Mbya, Carlos Papá, Nhe’éry quer dizer “onde as almas se banham”. E se purificam. “Jerá” quer dizer, neste contexto, desabrochar. A Flip 2021 fala da relação entre literatura e plantas a partir de Nhe’éry. Em sua abertura, representantes do povo Guarani da região fazem uma cerimônia, com rezas e cantos, abrindo e protegendo os caminhos da Nhe’éry e dando permissão para a entrada da Flip em seu território sagrado. Tudo realizado na Praça da Matriz, onde havia uma aldeia indígena antes da fundação da cidade. Os povos originários que ali habitavam, e hoje resistem na região, voltam a ocupar, com suas palavras e rituais, o Centro Histórico.

Domingo, 28 de novembro

16h | Mesa 3: Naturalismo e violência

David Diop e Micheliny Verunschk

Mediação: Milena Britto é professora no Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia

Há muito em comum entre os mundos criados por Micheliny Verunschk e David Diop em seus romances mais recentes. Em O som do rugido da onça, a escritora pernambucana evita a historiografia hegemônica e parte da vida curta de Iñe-e e Juri, crianças indígenas arrancadas de suas terras por um naturalista europeu, para meditar sobre os vazios deixados pelo desterro e pela violência colonial. A porta da viagem sem retorno, do francês de ascendência senegalesa David Diop, faz a operação oposta. Em referência à Ilha de Gorée, um dos pontos centrais do comércio de escravizados no continente africano, o escritor reimagina a vida do botânico Michel Adanson, um homem do Iluminismo movido pelo projeto de formular uma grande enciclopédia dos seres vivos. Em ambos os livros, o leitor se vê diante de vidas ameaçadas pelo sonho de um progresso sem fim, que dilacera os corpos, rasga a memória e ameaça fazer com que as pessoas se esqueçam de si mesmas e de quem são.

Segunda, 29 de novembro

20h | Mesa 6: Árvores e escrita

Paulina Chiziane e Itamar Vieira Junior.

Mediação: Ligia Ferreira é pesquisadora e professora do programa de pós-graduação em Letras da Unifesp

Uma das mais importantes escritoras de língua portuguesa da atualidade, Paulina Chiziane recebeu há pouco o Prêmio Camões. Ela conta ter aprendido a escrever “debaixo de uma árvore”. No Brasil, apenas dois de seus romances foram publicados: O canto alegra da perdiz (2008), e Niketche (2002), sua obra mais conhecida. Na literatura de Paulina, gerações de mulheres se afirmam em meio às estruturas de uma sociedade tradicional marcada pelo colonialismo. Neste encontro, ela conversa com Itamar Vieira Junior, cujo Torto Arado é grande sucesso internacional e arrebatou leitores de todas as idades. Assim como em alguns relatos da escritora moçambicana, a história em diferentes tempos de Bibiana e Belonísia se passa em meio à violência de uma sociedade marcada pela herança da escravidão, mas sempre em volta de quintais e ervas que guardam segredos, memórias e experiências compartilhadas.

Quarta, 01 de dezembro

18h | Mesa 9: Fios de palavras

Cecilia Vicuña, Júlia de Carvalho Hansen e Leonardo Fróes

Mediação: Ludmilla Lis é escritora e mestre em estudos étnico-raciais

Nos anos 1970, o poeta carioca Leonardo Fróes foi morar num sítio na região de Petrópolis, onde se dedicou a cultivar e a refletir sobre plantas, e a escrever poemas relacionados à temática ambiental, tanto quanto a problemas demasiado humanos, como se pode atestar em sua Poesia reunida. O interesse sobre as plantas, animais e afins também comparece na obra de Júlia de Carvalho Hansen, poeta de uma geração mais jovem, em livros como Romã e Seiva veneno ou fruto. Nesta mesa, a escritora e o escritor brasileiro encontram-se com Cecilia Vicuña, artista e também poeta chilena que fez de seu trabalho uma plataforma de luta, na defesa aos direitos humanos ou na denúncia da destruição ambiental. Seu trabalho ganhou o Premio Velázquez e foi exposto na mais recente Documenta de Kassel. Uma de suas propostas se inspira nos quipus andinos, objetos feitos com fios e nós, que serviam para a contabilidade e para contar histórias. O encontro dos três ajudará a deslocar o antropocentrismo que relega os viventes não humanos, em particular os vegetais, a segundo plano. Nesse sentido, os “fios de palavra” (expressão de Carlos Papá, cineasta e liderança guarani no litoral de São Paulo) da poesia se entrelaçam aos fios das instalações da artista, num emaranhado que remete também aos cipós e lianas das florestas. Forma-se assim uma tessitura verbal-vegetal para cuidar da saúde planetária.

20h | Mesa 10 – Utopia e distopia

Margaret Atwood e Antonio Nobre

Mediação: Anabela Mota Ribeiro é escritora, jornalista e programadora cultural; pesquisa a obra de Machado de Assis

Margaret Atwood, autora de O Conto da Aia, já escreveu: “Ustopia é um mundo que criei combinando utopia e distopia – a sociedade perfeita imaginada e seu oposto – porque, a meu ver, cada uma contém uma versão latente da outra.” Como então diferenciar o distópico do utópico? Para responder a essa pergunta, nesta mesa Margaret Atwood conversa com Antonio Nobre, cientista que desenvolveu alguns dos principais estudos sobre as ameaças contra as florestas brasileiras e que, apesar dos dados assustadores, continua a lutar por uma “Matrix Utópica”. O que o melhor da imaginação literária pode aprender com os ensinamentos das plantas para manter a “latência distópica” sob controle?

Quinta, 02 de Dezembro

18h | Mesa 11: Botânicas migrantes

Djaimilia Pereira de Almeida e Elif Shafak

Mediação: Mirna Queiroz é jornalista, editora e curadora; fundou e é editora executiva da revista Pessoa

Em seu pequeno e denso romance A visão das plantas, um dos vencedores do prêmio Oceanos de 2020, Djaimilia Pereira de Almeida reescreve o final da vida do luso Capitão Celestino. O personagem foi um cruel pirata e traficante negreiro que, ao se aposentar, retornou a sua cidade natal, vivendo sozinho na casa da família e cuidando do jardim antes abandonado. É na tensão entre a crueldade de Celestino e o modo delicado como trata as plantas que a história propõe uma revisão das ações humanas ambivalentes. Já a turca Elif Shafak, em The Island of Missing Trees [A ilha das árvores desaparecidas], conta a história de amor proibido entre Kostas e Defne Kazantzakis, o primeiro cristão grego, a segunda muçulmana turca, e os conflitos que surgem daí. Um dos capítulos é narrado na perspectiva de uma figueira, expondo a violência colonial e os preconceitos veiculados e criticados no texto. Tanto no romance da angolana Almeida quanto no da turco-britânica Shafak estão em jogo os conflitos e os traumas que o colonialismo acarreta, tendo como uma de suas motivações narrativas o elemento vegetal: no primeiro caso um jardim português, no segundo uma figueira de origem cipriota.

20h | Mesa 12: Políticas vegetais

Kim Stanley Robinson e Eliane Brum

Mediação: Lucia Sá é professora de estudos brasileiros na Manchester University, na Inglaterra

Kim Stanley Robinson foi convidado pela organização da COP26 para acompanhar, com passe totalmente livre, as negociações que tentaram estabelecer um novo acordo internacional para evitar a catástrofe climática. Pode parecer tarefa estranha para um consagrado escritor de ficção científica, mas sua última obra literária, The ministry for the future (o “livro da década” segundo o músico/pensador Brian Eno), já é referência incontornável para muitas pessoas que decidem política ambiental no mundo todo. Na Flip, Kim Stanley Robinson conversa com Eliane Brum, que acaba de publicar Banzeiro òkòtó: Uma viagem à Amazônia Centro do Mundo, seu relato sobre a batalha contra a catástrofe climática em curso na Amazônia. Como as políticas vegetais do presente podem nos guiar para a invenção de outros futuros possíveis?

Sábado, 04 de dezembro

18h | Mesa 16: Em busca do jardim

Alice Walker e Conceição Evaristo

Mediação: Djamila Ribeiro é filósofa, escritora e uma das principais vozes em defesa das mulheres e negros

Neste encontro histórico mediado pela filósofa Djamila Ribeiro, a escritora estadunidense Alice Walker dialoga com a mineira Conceição Evaristo. Uma das mais importantes vozes da literatura brasileira contemporânea, a autora de Ponciá Vicêncio se recolheu durante a pandemia num sítio em que acompanha o lento desenvolvimento das plantas. Grande admiradora de Walker, Conceição encontra agora a autora de A cor púrpura para uma conversa sobre literatura, política e jardins. O último livro de Alice Walker publicado no Brasil é Em busca dos jardins de nossas mães: Prosa mulherista.

20h | Mesa 17: Ouvir o verde

Alejandro Zambra e Ana Martins Marques

Mediação: Rita Palmeira é crítica literária, editora e curadora literária

Dois livros iniciais do consagrado escritor chileno Alejandro Zambra têm as plantas como catalisadoras ficcionais: Bonsai e A vida privada das árvores. Em ambos, os vegetais se associam metaforicamente a histórias de relacionamentos afetivos, que contam também sobre a ditadura de Pinochet. Em seu último livro, Poeta chileno, Zambra volta aos temas que marcaram sua escrita, incluindo-se aí a metáfora vegetal e um mapa de todas as babosas plantadas no bairro Maipú, em Santiago. Ana Martins Marques tem se notabilizado como autora de alguns dos mais belos poemas envolvendo plantas no cenário da poesia brasileira contemporânea. Um de seus títulos refere explicitamente essa temática: O livro dos jardins, dividido em duas partes. Na parte I, os textos descrevem e refletem poeticamente sobre cacto, dente-de-leão, rosa e girassol, entre outros assuntos. Já a parte II oferece “jardins textuais” a mulheres poetas, como a brasileira Orides Fontela, a norte-americana Sylvia Plath e a polonesa Wislawa Szymborska. Na literatura de Zambra e na de Marques, ouvir o verde se torna uma urgência politicamente existencial.

Domingo, 05 de dezembro

18h | MESA 19 – Cartografias para adiar o fim do mundo

Ailton Krenak e Muniz Sodré 

Mediação: Vagner Amaro é editor e fundador da Malê, especializada em literatura brasileira; é também escritor e bibliotecário 

Para encerrar esta edição da Flip, o encontro inédito entre Muniz Sodré e Ailton Krenak, que ao mesmo tempo produzem e comentam os mapas que vão nos orientar no enfrentamento dos cada vez maiores desafios brasileiros e mundiais. De um lado o autor de Pensar nagô e A sociedade incivil, do outro o autor de Ideias para adiar o fim do mundo e O amanhã não está à venda. No Brasil temos também o encontro entre os xamanismos indígenas e as religiões afro-brasileiras, com as plantas como principais mediadoras para suas respectivas tecnologias do êxtase, da cura, do conhecimento sobre o mundo. Sem folhas não há festa, não há vida, não há nada. Como fortalecer o aprendizado com o reino vegetal? Como construir uma rede de florestas e escolas? Acompanhando a conversa, trazendo também respostas, na videografia, haverá a apresentação dos mapas criados nas oficinas de cartografia dos povos indígenas Maxakali e Guarani. Novos mapas para novos mundos.

Vídeos com curadoria Flip na plataforma de streaming Tamanduá

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