Em cartaz até dezembro, a exposição Museu-escola-cidade: o MAM Rio em cinco perspectivas propõe bem mais do que uma viagem nostálgica ao longo dos 75 anos da instituição, mas um mergulho nos bastidores das ações realizadas pelo museu carioca em cinco áreas: educação, design, experimentação, cinemateca e movimentos artísticos. “Queríamos mostrar coisas que o público eventualmente já tivesse visto, como capas de catálogo ou folhetos de mostras do passado, mas também os processos por trás das ações do museu”, ressalta Pablo Lafuente, diretor artístico do MAM Rio.
Aproximadamente 250 obras (de um acervo de 16 mil) e 250 documentos compõem o conjunto em exibição no Salão Monumental, que recupera seu projeto expositivo original, desenhado por Karl Heinz Bergmiller. Entre os trabalhos apresentados estão criações de 93 artistas brasileiros e estrangeiros, como Abraham Palatnik, Alberto Giacometti, Anita Malfatti, Fayga Ostrower, Ivan Serpa, Max Bill, Nelson Leirner, Rubens Gerchman, Tunga e Willys de Castro. No fim de julho, o MAM abrirá outra mostra, documental, que vai se debruçar sobre o projeto do museu, não só arquitetônico – assinado por Affonso Eduardo Reidy – mas relativo à sua concepção.
Fazer o recorte do que seria mostrado não foi tarefa fácil, e Lafuente conta que cada núcleo apresentou dificuldades distintas para a seleção de itens. “Em design, por exemplo, havia mais documentos, entre projetos e fotos, do que peças para exibição”. A coleção de design do MAM é bem pequena, segundo o diretor, limitada a apenas “algumas dezenas” de produtos, que não refletiriam três décadas de trabalhos realizados pelo museu naquela área.
Já a Cinemateca trouxe outro tipo de impasse: de um arquivo gigantesco, decidiu-se dar uma pequena amostra de apenas quatro filmes, de época distintas, com curta duração, porque não era desejo da equipe exibir produções de longa-metragem no espaço expositivo. “Foram escolhas que simplesmente mapeiam uma longa trajetória. E apresentamos também 16 cartazes de uma coleção imensa, simplesmente para mostrar a ponta do iceberg”, diz. Na área de educação, conta Lafuente, a equipe “sofreu muito também”, porque existem muitos documentos, entre planos de aula, listas de estudantes, avaliações, programações de cursos, fotos, um material que renderia “um livro de 500 páginas”.
Para o núcleo de artistas e movimentos, havia um sem número de catálogos e folhetos de épocas diferentes, o que dificultou bastante a seleção. Tinha-se que decidir entre mostrar a capa de uma publicação ou “um ensaio inteiro, por exemplo, de Tomás Santa Rosa, para a segunda exposição feita pelo MAM. Não dava para mostrar apenas o primeiro parágrafo. O processo de escolha exigia não somente que se compreendesse a relevância de um documento, mas como seria sua leitura, numa parede, em pé”, explica.
Havia também escolhas incontornáveis, como os registros dos Domingos de Criação, projeto artístico e educativo criado em 1971 pelo crítico e curador Frederico Morais, então coordenador de cursos do MAM Rio. Foi decidido que a exposição mostraria ao menos uma foto de cada domingo. Ou ainda as fotos do incêndio de 1978, feitas por Walter Carvalho, das quais apenas duas são exibidas. “Poderiam ser 50, num projeto maravilhoso. Somente este ensaio fotográfico, do prédio após o incêndio, poderia ser transformado em uma exposição separada”, afirma.
Em meados do ano passado, a equipe do museu começou a pensar o que seria “apropriado fazer”, por meio de uma exposição, para celebrar os 75 anos da instituição, segundo Lafuente. A curadoria é assinada por toda equipe do MAM. “Não seria justo, nem um reflexo da realidade, que somente a Bia [Beatriz Lemos, curadora do museu] e eu assinássemos, porque foi um trabalho que envolveu um total de 60 pessoas, inclusive dos times de pesquisa e de educação, por exemplo”, pondera.
“Ao mesmo em que nos dedicávamos às exposições programadas para 2022, passamos a fazer um levantamento de documentos sobre a origem do museu, arquivos que revelavam planos institucionais, e também fizemos leituras de teses acadêmicas, livros, artigos, tanto do acervo ou da biblioteca do MAM como de outras fontes”, conta. “Também começamos a conversar com pessoas que tinham passado pelo museu, tanto artistas como profissionais de áreas diversas”.
De início, essas conversas foram informais, em busca de curiosidades, lembranças de dinâmicas institucionais e momentos importantes da trajetória do museu, entre outros assuntos que deveriam ser trazidos para a reflexão histórica a ser proposta na exposição. Em seguida, a equipe começou a anotar questões que vinham à tona e consideravam relevantes. Alguns dos entrevistados também fizeram sugestões de ações futuras para o MAM, devidamente registradas.
Lafuente conta que muito em breve vão retomar alguns desses diálogos – com nomes como Anna Bella Geiger, Carlos Vergara, Cildo Meireles, Waltercio Caldas, Luiz Camillo Osorio, além de pessoas que trabalharam nos bastidores da instituição – e fazer registros dessa história oral para o arquivo do MAM e uma futura disponibilização para pesquisadores e o público em geral.
Outra ideia surgida a partir das conversas é a realização de uma série de bate-papos – de quatro a cinco encontros por ano – sobre os aspectos diversos da história do museu, possivelmente restritos a uma média de 40 convidados. “Acreditamos também que estas conversas vão nos ajudar a criar uma base para um plano museológico, algo que atualmente o MAM não possui”, explica o diretor artístico.
Há dois anos e meio no cargo de diretor artístico do MAM Rio, Lafuente ressalta que os documentos detalhando exposições, com as visões de cada época sobre práticas curatoriais e educativas, foram uma descoberta surpreendente. “A gente imagina que vai encontrar fotos das montagens ou das mostras já prontas. Mas acaba encontrando registros do planejamento, de cursos a exposições. Esses achados são fascinantes porque são difíceis de se encontrar, se você não mergulha em um arquivo, e porque dão acesso a um projeto de pensamento”.
Outro aspecto que Lafuente salienta é a atuação do MAM Rio na área de design. “Revisitar esse material, que trazia diferentes tipos de aproximação entre o design internacional e o nacional, por exemplo, foi muito interessante, porque ao longo do tempo a prática das artes visuais se separou um pouco da design. Normalmente, os museus de arte não mostram design, e vice-versa. No MAM, durante duas a três décadas, entendiam-se essas práticas como conjuntas, paralelas ou com interseções. Encontrar isso, como um compromisso institucional do museu, foi muito interessante. Faz refletir por que houve essa divisão e questionar se não podemos retomar as práticas em conjunto”, argumenta.
Ao longo da trajetória de 75 anos do MAM Rio, Lafuente considera que o incêndio de 1978 foi definitivamente um ponto de inflexão, um momento que apontava para uma crise estrutural, uma decadência e falhas de manutenção e gestão de risco, não somente do MAM, mas de outras instituições também. “Ao mesmo tempo foi um símbolo da relevância do museu, evidenciado pela demanda da sociedade que se engajou num processo de reconstrução participativa, com uma grande vontade e uma diversidade de propostas. É um modelo de atitude que se deve ter em relação a qualquer museu, como profissionais ou não da instituição”, conclui.