Nascido em Recife (PE), Diógenes Moura viveu com a família por 17 anos em Salvador (BA). Mudou-se para São Paulo e desde 1989 mora no bairro de Campos Elíseos e nas suas proximidades. Foi daí, mais propriamente dito do entorno do Elevado Presidente João Goulart, talvez o mais famoso viaduto da cidade, que o escritor, curador, fotógrafo, roteirista e editor independente tirou inspiração para seu novo livro, Minhocão (Editora Noir), que será lançado nesta quarta-feira (25), das 15h às 18h, na Livraria Martins Fontes.
Com olhar atento, uma caderneta e um lápis, Moura, que foi curador de fotografia da Pinacoteca, fez anotações ao longo de anos, sobre os acontecimentos e os habitantes dos apartamentos que ladeiam o viaduto.
“Ao longo desse período e de uma pandemia no meio, ele [Diógenes Moura] se sentou no meio-fio do Minhocão e passou a buscar vidas dos dois lados daquelas pistas elevadas que escondem a miséria sob seus pés e que passam a impressão de levar todos a qualquer lugar. Mas a sensação é de um enorme presídio de desejos, sonhos e fantasias, de onde não se sairá jamais”, escreve o jornalista Gonçalo Junior, na quarta capa do livro.
Em texto da orelha do livro, o cineasta Beto Brant destaca que o título “traz uma coleção de gente que habita a veia desalumiada do centro da cidade. Uma anomalia encravada, onde resta um grau de vaidade, o enfeite na fala, no corpo e na casa. O mundo em ruínas e a redenção vaza, tímida, entre os escombros”, escreve.
LEIA ABAIXO TRECHOS DO LIVRO
Em um dia de domingo qualquer, tantos uns, tantos outros, Cesário Triste saiu de casa com uma caderneta e um lápis e entrou na padaria da esquina. Tomou café com leite, engoliu três bolinhas embranquecidas para não endoidar, subiu a rampa em direção ao viaduto, sentou-e na listra branca que divide as duas pistas e morreu. Em outro domingo qualquer, arregalou os olhos e começou a girar a cabeça de um lado para o outro como se estivesse sendo exorcizado. Com as pupilas dilatadas pelo susto, dedicou-se a invadir os apartamentos dos outros, aqueles que moram nas duas margens da imensa serpente de concreto que corta uma parte da cidade, onde os homens desafiam o que resta dos deuses.
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Cada replicante que Ambrósio Terminante das Tripas Enfim descongela para colocar em cima dos ombros e pedir dinheiro entre os carros no semáforo, embaixo do viaduto, leva pelo menos seis horas para a carne ficar no ponto e voltar a ter a respiração natural, o piscar dos olhos, remover a memória embutida, as lembranças dos que ficaram para trás, imaginar um rosto vivo de alguém que não sabe se um dia terá amanhãs.
SERVIÇO
Minhoção (Editora Noir, 163 págs., R$ 49,90)
Diógenes Moura
Lançamento: Livraria Martins Fontes – Avenida Paulista, 509
Horário: nesta quarta-feira (25/01), das 15h às 18h