Xadalu Tupã Jekupé, obra da exposição “Invasão Colonial 'Yvy Opata' - A Terra Vai Acabar"/Foto: Maurício Burim

Praticamente há cinco anos em gestação, o Museu das Culturas Indígenas (MCI) foi finalmente inaugurado no fim de junho, em São Paulo, com três exposições temporárias, além de uma programação com diversas palestras e debates em torno de questões ligadas aos povos originários do Brasil. Uma instituição da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, o MCI é gerido pela Organização Social de Cultura ACAM Portinari (Associação Cultural de Apoio ao Museu Casa de Portinari) em parceria com o Instituto Maracá, organização não governamental que busca proteger e disseminar o patrimônio histórico, ambiental e cultural dos povos indígenas.

As primeiras conversas para sua criação aconteceram em 2017, num evento do Goethe Institut de São Paulo, quando Sandra Benites, curadora e pesquisadora, descendente do povo guarani-nhandeva, do Mato Grosso do Sul, conheceu Cristine Takuá, fundadora do Instituto Maracá. Posteriormente, Sandra foi convidada para integrar o conselho do Maracá e ajudar a fortalecer a ideia de se criar um espaço dedicado, inicialmente, aos povos indígenas do Estado de São Paulo.

No segundo semestre de 2021, houve um encontro com os guarani do Pico do Jaraguá com o então governador João Doria, e foi decidida a criação do museu, com gestão posteriormente atribuída à ACAM, que por sua vez já se ocupava do Museu Histórico e Pedagógico Índia Vanuíre, em Tupã, no interior do estado. A gestão Doria designou o recém-reformado prédio de um conjunto desportivo para abrigar o museu. A transferência entre as secretarias de esporte e cultura aconteceu em fevereiro, e teve então início o processo de reestruturação do espaço.

Em março deste ano, Sandra foi convidada para fazer a curadoria da mostra temporária Invasão Colonial ‘Yvy Opata’ A Terra Vai Acabar, de Xadalu Tupã Jekupé, artista cuja carreira ela já vinha acompanhando desde 2020. Nela, por meio de uma estética de arte urbana contemporânea, o artista faz uma denúncia sobre os territórios originários em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, que vêm sendo engolidos pela especulação imobiliária.

A instituição abriga também no momento a coletiva Ocupação Decoloniza – SP Terra Indígena, com obras espalhadas por todo o espaço do MCI, em que artistas indígenas desconstroem narrativas equivocadas sobre as culturas dos povos originários. Já em Ygapó: Terra Firme, o artista e curador Denilson Baniwa convida o público para uma imersão na floresta Amazônica por meio de experiências sensoriais.

Logo após a abertura, Sandra foi convidada para ser a consultoria de programação cultural e de exposição do Museu das Culturas Indígenas, onde enxerga, como sua missão, traduzir a tradição da memória oral indígena para um museu, conceito por si só alheio povos originários. A tarefa exige dela também o papel de intermediadora entre a instituição e os guaranis.

“Isso me motivou a aceitar o convite, fez com que eu me mudasse para São Paulo. E, como tudo está ainda muito no começo, é um trabalho que requer muito diálogo coletivo para que os conteúdos e as programações de fato reflitam nosso entendimento do que deva ser um museu de nossa cultura. A partir dessas conversas e demandas, estamos pensando, para o futuro, uma mostra permanente”, explica Sandra, que foi também a primeira curadora indígena do Masp, de onde pediu demissão em maio, após a direção do museu recusar fotos do MST para o núcleo Retomadas, da exposição Histórias Brasileiras. Posteriormente, o museu veio a recuar da decisão, e Sandra voltou à instituição.

Além das mostras, o Museu das Culturas Indígenas vem abrigando palestras e outras atividades. No próximo dia 21 de agosto, o escritor e tradutor do guarani Luiz Karaí vai participar do debate A Resistência do Povo Guarani: História, Língua e Cultura, que também contará com uma performance de dança das kunhataingue, mulheres das etnias Kaiowá e Guarani. Começa às 15h, a entrada é gratuita, porém as vagas são limitadas e devem ser reservadas pelo e-mail [email protected].

Ainda que não haja ainda mostras permanentes, as obras da artista Tamikuã Txihi, indígena pataxó, criadas especialmente para o museu, foram apresentadas na abertura e marcam, segundo ela, a presença indígena com história, memória e resistência, e ficarão na instituição como símbolo de luta. São pinturas de onças e de seus filhotes, presentes em uma das empenas do prédio, mas também nas paredes internas. Para a artista, a onça é um “símbolo de resistência de seu povo e da mãe e irmã natureza”. Para ela, como indígena, o museu, ainda que esteja em um processo em construção, traz visibilidade e protagonismo aos povos originários.

“É uma memória viva, e é importante a ocupação desse território com um espaço em que, como protagonistas de nossa própria história, estamos usando a arte como um instrumento de luta, para que assim se possa não apenas recuperar a memória e a história contadas pelos nossos próprios povos, mas mostrar que continuamos aqui, vivos e resistindo, apesar de tudo que nos aconteceu e ainda vem acontecendo. Fazendo do museu, uma nomenclatura que mesmo sem fazer parte de nossa cultura, pode ser uma casa de transformação”, afirma.

Serviço

Museu das Culturas Indígenas
R. Dona Germaine Burchard, 451 – Água Branca, São Paulo (SP)
Horários: terça a domingo, das 9h às 18h; quintas-feiras, das 9h às 20h
Ingressos: R$15,00 (inteira) e R$7,50 (meia entrada); gratuito às quintas-feiras

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