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Detalhe da obra “Outres”, de Daniel Lie
Julien Creuzet, originário da Martinica e que repre-
sentará a França na próxima Bienal de Veneza, também
faz da dança elemento central de seu trabalho. Em
parceria com alguns coreógrafos, entre eles Ana Pi,
ele coloca para dançar esculturas tradicionais africa-
nas ao ritmo de músicas contemporâneas como o hip
hop. Ele se contrapõe assim, mesclando ironia e olhar
agudo contra estereótipos, à argumentação defendida
pelos cineastas Alain Resnais, Chris Marker e Ghislain
Cloquet em As Estátuas também morrem (1953), de
que os ídolos seriam cadáveres quando saem de seu
ambiente de culto e proteção e são transferidas para os
museus e mobiliza assim um poder permanentemente
renovável de resistência.
Kitlat Tahimik também dialoga com o cinema – sem
usar câmera ou película. Sua narrativa temporal se faz
a partir de objetos. Coloca em confronto monstros e
mitos, modernos e antigos, com acidez e provocação
ao mostrar Mickey Mouse, com uma motosserra em
mãos, prestes a castrar uma figura mitológica ancestral
de enorme falo, algo como um deus da fertilidade, ou
reconstrói o cavalo de troia em conexão com arma-
mentos de última geração. Até mesmo uma obra que
aparentemente seria só um exercício cinético, uma
experimentação sedutora com a luz e a cor, toca em
feridas profundas e propõe rever lógicas perversas
de dominação. Em sua instalação Pink-Blue, Kap-
wani Kiwanga associa luzes fluorescentes usadas
em dois dos mais terríveis ambientes de controle da
sociedade contemporânea: as instituições psiquiátri-
cas e as prisões. Enquanto no primeiro a iluminação
branca supostamente acalmaria instintos agressivos,
no segundo a cor azul era usada para dificultar a loca-
lização das veias, dificultando assim o consumo de
drogas injetáveis.
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