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35ª BIENAL DE SÃO PAULO  DESTAQUES












                               LUANA VITRA






                               Ferro, cobre e prata se desdobram numa miríade
                               de significados na obra da artista mineira,
                               com referências de caráter biográfico, poético,
                               simbólico, histórico e até mesmo metafísico

                               por maria hirszman







            o ferro é a espinha dorsal da pesquisa de Luana Vitra   antecipadamente que o ar estava irrespirável, salvando
            e imanta a instalação que ela criou especialmente para   várias vidas. “Me interessa pensar como o ar foi um
            a 35ª Bienal de São Paulo. O elemento – acompanhado   veículo de vida e liberdade”, afirma.
            por outros metais, como o cobre e a prata – desdobra-se   Na obra de Luana essa potência se encadeia num dis-
            numa miríade de significados na obra da artista mineira,  curso pleno de referências simbólicas e signos concretos.
            agregando referências de caráter biográfico, poético,  Em uma grande área aberta de 100 metros no segundo
            simbólico, histórico e até mesmo metafísico, ao corpo- andar do pavilhão, ela combina pequenas e sedutoras
            rificar a ideia de transmutação da matéria e do espaço,  esculturas representando pássaros, uma série de flechas
            pela ação transformadora do ar e da ferrugem.   metálicas, em referência direta a Ogum (orixá associado,
               Luana cresceu na cidade mineira de Contagem, e a   entre outras coisas, ao ferro e à tecnologia, protetor dos
            extração e processamento do minério marcam sua história.  artesãos e dos ferreiros), a outros elementos, como
            Seu bisavô, Domingos Zacarias, por exemplo, morreu   ervas, conchas e o azul anil – outra alusão à presença
            de silicose, doença decorrente da inalação de resíduos   africana –, criando uma instalação potente, que aviva
            ligados a seu trabalho nas minas. Para além dos nexos   todo o espaço. A artista, que também atua no campo da
            familiares diretos, dessa trama de histórias presentes   dança e da performance, estabelece uma coreografia
            nesses lugares onde sua família habita, ela relembra   espacial e cria sintonia com o mote das “coreografias
            também importância central da cultura africana para o   do impossível” escolhido para esta Bienal. A montagem,
            desenvolvimento da atividade mineradora no período   processo fundamental para a artista, promove tensões,
            colonial brasileiro. Afinal, veio da África a tecnologia   equilíbrios e repetições. “É aí que acontece o encanta-
            necessária para extrair os metais.              mento das coisas. É minha assinatura, quase como uma
               Opressão e estratégias de defesa se coadunaram   ladainha, um milagre”, diz.
            nesse processo, deixando pegadas fascinantes que   Luana, que acaba de ganhar o prêmio Pipa deste ano,
            agora Luana incorpora em seu trabalho. Uma das formas   diz-se muito feliz em participar dessa edição. Para ela, a
            de proteção usadas por aqueles que eram obrigados a   mostra quebra uma lógica única, desvia de um curso, de uma
            trabalhar nas minas era a de levar canários para den- trilha pronta e permite abrir “um caminho em uma floresta
            tro dos túneis subterrâneos para avaliar a qualidade   densa”, por trazer pela primeira vez curadores negros e
            do ar. Sensível aos gases tóxicos, o pássaro sinalizava   ter 80% de pessoas não brancas entre os participantes.





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