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XXXXXXXX YYYYYYYYYYYYYYYYEVISTA
    35 ª   B I E N A L D E S    Ã O   P A U L O    E N T R




























               deixa claro que o advento de um ser humano no auge   discussões sobre o futuro daquele país, imprimiu
               de sua humanidade exige a destruição de barreiras,  qual tipo de influência na obra do artista?
               sejam elas raciais, econômicas, sociais ou nacionais.   O aprendizado espanhol de Lam o levou ao dese-
                 Esse é o trabalho que ele realiza em suas pinturas,   nho de Dürer e à pintura de Goya, que ele revisi-
               nas quais retrata e supera a violência que caracteriza   tou mais tarde, seguindo Picasso, por meio da
               as relações humanas. Assim como as guerras e os   representação multifocal do cubismo. Matisse
               poderes não democráticos, a colonização explorou   lhe trouxe uma concepção antiperspectivista do
               toda essa violência. Ela deve ser combatida, assim   espaço pictórico que o ajudou a se distanciar de
               como seus efeitos posteriores, por meio da aceitação   sua própria herança europeia. Nenhuma dessas
               e da abertura, e não por meio de novas violências.  tradições se perdeu desde então, e todas ali-
                 A Bienal fez muito bem, acho, em incluir seu tra-  mentaram seu trabalho com essa multiplicidade.
               balho nesse debate altamente atual, pois pode-se
               dizer que muitas de suas principais pinturas, como    – A sala de Wifredo Lam nesta 35ª Bienal
               El tercer Mundo (1956), Os Abalochas dançam para   de São Paulo exibe algumas obras fundamentais
               Dhambala, deus da unidade (1970), são apelos para   feitas no contexto de exílio político e de suas
               curar as feridas da história. O objetivo de seu tra- jornadas transatlânticas pelos mares dos navios
               balho é tornar possível a reunificação do que foi   negreiros. O que você destacaria?
               brutalmente separado. A onipresença de lâminas e   As oito pinturas expostas na Sala Especial ilus-
               tesouras em suas pinturas fala do estado do mundo,   tram o ponto de virada da década de 1940: expul-
               não de seu futuro. Em 1943, ele pintou A Selva, uma   so pela Guerra Civil Espanhola e, depois de se
               metáfora das trágicas condições históricas criadas   estabelecer em Paris em 1938, expulso pelas
               pela indústria açucareira e seu modo de produção   tropas alemãs, Lam retornou a Cuba e embarcou
               escravagista. A partir de então, durante as décadas   na grande síntese transcultural que o torna tão
               de 1950 e 1970, Lam construiu uma coreografia de   contemporâneo. Compreendendo que não era
               figuras e símbolos em suas pinturas, extraídas das   chinês, nem africano, nem europeu, ele descobriu
               diferentes culturas que o nutriram, em particular a   que era “caribenho”, parte desse arquipélago de
               santeria cubana e o vodu haitiano. Se suas figuras   culturas que a violência da história havia criado
               parecem dançar na tela, é porque o artista está   no coração da indústria açucareira. Em seus
               transmitindo a elas um movimento de transcendên-  olhos, assim como nos olhos de seus amigos
               cia que tende a uma unidade perdida. Acredito que   martinicanos Aimé Césaire e Edouard Glissant,
               essa seja sua luta anticolonial.                do próprio coração das contradições que cons-
                                                               tituem esse arquipélago, surge a possibilidade
                    – O aprendizado de Wifredo Lam na Espa-    de imaginar, de sonhar e de pintar, um futuro
            nha pré-revolucionária, numa época de muitas       para a humanidade.   

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