Page 66 - ARTE!Brasileiros #38
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EXPOSIÇÃO SÃO PAULO
podia ser vista como uma ameaça. Afinal, eu era uma
total desconhecida. Acho que o fato de ter me exposto
foi também o que garantiu a proximidade com as pes-
soas”, afirma.
O intuito da artista era criar brechas no cotidiano, pro-
pondo novas formas de convivência. No início do pro-
jeto, Anna filmou uma ligação que fez para o setor de
classificados do jornal O Globo. No vídeo, o público pode
ver a artista explicando o anúncio que queria fazer. Sem
entender o que a artista pretende, a atendente pergunta:
“Mas, moça, qual é a finalidade?”. Ela responde que não
há objetivo específico. Impaciente, a funcionária afirma
que não é possível fazer esse tipo de anúncio.
O comportamento da atendente surpreendeu a artista.
“A reação dela foi uma metáfora de todo um sistema de
crenças e valores a que estamos acostumados. Foi uma
resposta agressiva, como se oferecer companhia fosse
algo ofensivo, do qual devêssemos desconfiar”, comenta.
ANÚNCIO QUE A ARTISTA PUBLICOU NA SEÇÃO O vídeo é uma das obras mais diretas da mostra, servindo
DE CLASSIFICADOS DO JORNAL O GLOBO
para contextualizar o processo. O curador comenta os
dilemas de formalizar os trabalhos da artista, que são em
grande parte imateriais: “A Anna tem toda uma produção
Ao se lembrar das conversas, ela cita o caso de uma baseada principalmente nas relações. O nosso maior
menina gaúcha que a impressionou muito. Logo nos pri- desafio foi o de transformar as experiências em objetos”.
meiros contatos, a moça contou que havia sido estuprada Outra alternativa adotada foi a exibição de 40 monó-
pelo próprio pai. “Enquanto a ouvia falar, eu só conse- culos com frases dos diálogos que a artista manteve
guia pensar: Meu Deus, isso é muito sério, não tenho com as pessoas. Para Anna, essa solução manteve o
repertório para lidar com esse tipo de coisa”, afirma. caráter íntimo das conversas: “Eu não queria mostrar as
Outro caso que a artista se recorda é o de um homem que histórias (de forma que ficassem) totalmente expostas.
quis conversar sobre um projeto específico. Tratava-se Dessa maneira (com os monóculos) apenas uma pessoa
de uma carta que ele havia escrito para o ex-namorado, de cada vez pode olhar para elas”.
usando seu próprio sangue como tinta. “Ele desenvolveu Muito mais do que o resultado final, a artista se interessa
um mecanismo para tirar o sangue e com isso redigiu mesmo pelos encontros, que descreve como arreba-
a carta que, até hoje, nunca entregou”, conta Anna. tadores. “Num certo nível, o trabalho existiu para as
Nesse processo, a artista também passou por momentos 33 pessoas e, de outra forma, como vestígio dessas
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de temor. Logo no primeiro dia, uma pessoa, que ela clas experiências”, afirma.
sifica como psicopata, mandou mensagens convidando-a
para ir ao motel. Um homem também tentou agarrá-la Ofereço Companhia
durante uma conversa. Até 11 de março
“Teve um dia que encontrei um rapaz às cinco da manhã Galeria Superfície
e comecei a pensar que aquilo poderia ser perigoso, mas Rua Oscar Freire, 240, São Paulo, SP
11 3062-3576
no final correu tudo bem. Por outro lado, eu também
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Book_ARTE_38_POR.indb 66 3/3/17 9:49 PM