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EXPOSIÇÃO SÃO PAULO













                                                               podia ser vista como uma ameaça. Afinal, eu era uma
                                                               total desconhecida. Acho que o fato de ter me exposto
                                                               foi também o que garantiu a proximidade com as pes-
                                                               soas”, afirma.
                                                               O intuito da artista era criar brechas no cotidiano, pro-
                                                               pondo novas formas de convivência. No início do pro-
                                                               jeto, Anna filmou uma ligação que fez para o setor de
                                                               classificados do jornal O Globo. No vídeo, o público pode
                                                               ver a artista explicando o anúncio que queria fazer. Sem
                                                               entender o que a artista pretende, a atendente pergunta:
                                                               “Mas, moça, qual é a finalidade?”. Ela responde que não
                                                               há objetivo específico. Impaciente, a funcionária afirma
                                                               que não é possível fazer esse tipo de anúncio.
                                                               O comportamento da atendente surpreendeu a artista.
                                                               “A reação dela foi uma metáfora de todo um sistema de
                                                               crenças e valores a que estamos acostumados. Foi uma
                                                               resposta agressiva, como se oferecer companhia fosse
                                                               algo ofensivo, do qual devêssemos desconfiar”, comenta.
            ANÚNCIO QUE A ARTISTA PUBLICOU NA SEÇÃO            O vídeo é uma das obras mais diretas da mostra, servindo
             DE CLASSIFICADOS DO JORNAL O GLOBO
                                                               para contextualizar o processo. O curador comenta os
                                                               dilemas de formalizar os trabalhos da artista, que são em
                                                               grande parte imateriais: “A Anna tem toda uma produção
             Ao se lembrar das conversas, ela cita o caso de uma   baseada principalmente nas relações. O nosso maior
             menina gaúcha que a impressionou muito. Logo nos pri-  desafio foi o de transformar as experiências em objetos”.
             meiros contatos, a moça contou que havia sido estuprada   Outra alternativa adotada foi a exibição de 40 monó-
             pelo próprio pai. “Enquanto a ouvia falar, eu só conse-  culos com frases dos diálogos que a artista manteve
             guia pensar: Meu Deus, isso é muito sério, não tenho   com as pessoas. Para Anna, essa solução manteve o
             repertório para lidar com esse tipo de coisa”, afirma.  caráter íntimo das conversas: “Eu não queria mostrar as
             Outro caso que a artista se recorda é o de um homem que  histórias (de forma que ficassem) totalmente expostas.
             quis conversar sobre um projeto específico.  Tratava-se   Dessa maneira (com os monóculos) apenas uma pessoa
             de uma carta que ele havia escrito para o ex-namorado,  de cada vez pode olhar para elas”.
             usando seu próprio sangue como tinta. “Ele desenvolveu   Muito mais do que o resultado final, a artista se interessa
             um mecanismo para tirar o sangue e com isso redigiu   mesmo pelos encontros, que descreve como arreba-
             a carta que, até hoje, nunca entregou”, conta Anna.  tadores. “Num certo nível, o trabalho existiu para as
             Nesse processo, a artista também passou por momentos   33 pessoas e, de outra forma, como vestígio dessas
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             de temor. Logo no primeiro dia, uma pessoa, que ela clas  experiências”, afirma.
             sifica como psicopata, mandou mensagens convidando-a
             para ir ao motel.  Um homem também tentou agarrá-la   Ofereço Companhia
             durante uma conversa.                             Até 11 de março
             “Teve um dia que encontrei um rapaz às cinco da manhã   Galeria Superfície
             e comecei a pensar que aquilo poderia ser perigoso, mas   Rua Oscar Freire, 240, São Paulo, SP
                                                               11 3062-3576
             no final correu tudo bem. Por outro lado, eu também


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