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EXPOSIÇÃO SÃO PAULO

             sintonia com o que vinha sendo produzido pela escola de   pesquisadora da pintura, que se debruçava com tenacidade
             Paris; e finalmente os anos 1940 e 1950, marcados por   e resistência sobre determinadas questões ou aspectos da
             um evidente interesse da artista pela arte primitiva, pela   pintura, tanto no que se refere às várias possibilidades de
             cultura popular e as festas de interior. “Há sempre uma   construção do espaço pictórico como à importância maior
             nova Anita”, afirma Regina. “Ela nunca se acomoda, está  que a cor tem em toda sua produção, seja nos contrastes
             sempre se reinventando”, acrescenta, lembrando que o   mais gritantes do período expressionista, seja nos tons
             Modernismo não é uma rota de caminho único e que até   mais rebaixados como os usados em Retrato de A. M.G.
             mesmo ao resgatar as tendências realistas, buscando   Em vários momentos é possível notar como a artista se
             um diálogo entre o passado e o presente, ela mostrou   mostrava atenta à produção de seus contemporâneos,
             ser radical. A observação direta das obras e os próprios   ecoando em seus próprios trabalhos o que descobria em
             testemunhos da pintora confirmam isso: “Agora coragem,   seu entorno, revelando interesse pelo trabalho de figu-
             aprompte-se, vou dar-te uma notícia ‘bouleversante’.   ras como Marquet, Vuillard, Bonnard e, evidentemente,
             Estou clássica! Como futurista morri e já fui enterrada”,   Matisse, cuja influência fica clara em telas como Interior
             escreve ela a Mário de Andrade em 1924.           de Mônaco, de 1925. Como sintetiza Ana Paula Simioni
             A mostra enfatiza os dois gêneros mais potentes da   no catálogo da exposição, “mais do que responder aos
             produção de Anita: as paisagens e os retratos. Bastante   pleitos e à agenda de seu grupo de origem, Anita procurou
             sóbria, a montagem coloca lado a lado ícones de sua   trilhar um rumo diverso, assentado no internacionalismo,
             produção e obras menos conhecidas. Propositalmente   no modernismo temperado, no diálogo com a tradição
             evita tratar dos temas polêmicos em torno da sua biogra-  pictórica ocidental”.
             fia. E vai além, ao tentar iluminar nexos entre diferentes   Tal processo também explica sua produção tardia, em que
             grupos de obras, como os potentes núcleos dedicados   vemos despontar um interesse pelos temas populares, pela
             aos estudos de nu e a bela série de paisagens realizadas  simplificação na construção do espaço, em sintonia evi-
             em Monhegan (EUA). Merecem também destaque as     dente com o crescente interesse nacional pela arte primi-
             poéticas aproximações entre obras afins, como o diálogo   tiva, no que Regina Teixeira de Barros chama de “simplici
                                                                                                              -
             entre dois retratos de mulheres num balcão – Chanson de   dade deliberada,” e que na época teria sido frequentemente
             Montmartre, de 1926, e A Mulher do Pará, do ano seguinte   confundido com mais um sinal de decadência da pintora.
             –, tema que evidentemente remete ao Balcão, de Manet,   Se parece ter sido perturbador para a crítica da época
             demonstrando na prática como ela era sobretudo uma   – marcada por uma visão mais unívoca e ascendente da
                                                                                    arte moderna – entender como
                                                                                    uma mesma artista realiza obras
                                                                                    tão díspares como Vida na Roça
                                                                                    e o Farol, consolida-se, cem anos
                                                                                    depois, a noção de que o fato de
                                                                                    não romper incansavelmente os
                                                                                    modelos estabelecidos (muitas
                                                                                    vezes ela optou por entendê-los
                                                                                    e absorvê-los) não a transforma
                                                                                    obrigatoriamente numa mártir,
                                                                                    sacrificada em prol da moder-
                                                                                    nidade. Anita foi bem mais do
                                                                                    que isso, como provam as obras
                                                                                    atualmente em exposição.
                                                                                   Anita Malfatti: 100 Anos
                                                                                   de Arte Moderna
                                                                                   Até 30 de abril
            FOTO ISABELLA MATHEUS                                                  Av. Pedro Álvares Cabral,
                                                                                   Museu de Arte Moderna

                                                                                   Parque Ibirapuera, São Paulo, SP
                                                                                   11 5085 1318

             TROPICAL (1916), ANITA MALFATTI






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