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EXPOSIÇÃO SÃO PAULO
A PAULISTA EM DISPUTA
EXPOSIÇÃO EM CARTAZ NO MASP APRESENTA OLHARES DE DIFERENTES ARTISTAS SOBRE
A HISTÓRIA E AS LUTAS EM TORNO DA PRINCIPAL AVENIDA DA CIDADE DE SÃO PAULO
POR MARIANA TESSITORE
NOS ÚLTIMOS DOIS ANOS, o Masp olhou para o seu “É um núcleo bem diverso que vai desde fotografias
passado. Exposições icônicas como Playgrounds e Mão do históricas até obras do grupo Santa Helena e uma tela
Povo Brasileiro foram montadas novamente; e o legado de de Ferreira Gullar, que pintou o Lula discursando no vão
Pietro Maria Bardi e sua mulher, Lina Bo Bardi, retomado. livre do Masp, em 1979”, comenta o curador.
Os famosos cavaletes de vidro desenhados por Lina, por O tom politizado permanece na segunda parte composta
exemplo, foram novamente colocados em ação. pelas obras comissionadas. A gaúcha Rochelle Costi, por
Neste ano, porém, o museu decidiu mirar no seu entorno. exemplo, apresenta um trabalho feito em parceria com
O tema da primeira exposição de 2017 é a Paulista, com Renato Firmino, artista de rua que mora no vão livre do
todas as contradições e embates que a avenida – endereço Masp. Costi conheceu Firmino enquanto caminhava pela
do museu – carrega. Paulista no ano passado e logo se encantou pelo homem
“Essa mostra traz uma ruptura. Queremos agora criar que morava dentro de um carrinho, onde expunha suas
coisas novas que não estejam necessariamente lastreadas telas e objetos pessoais.
nos projetos da Lina e na própria trajetória do Masp”, Em entrevista à ARTE!Brasileiros, Costi conta que demorou
comenta Tomás Toledo, um dos seis curadores da mos- oito meses até convencer Firmino a participar da mos-
tra. Composta por cerca de 150 obras de 57 artistas, a tra. Nesse processo, ela também filmou outros artistas
exposição apresenta olhares distintos sobre a avenida. presentes na avenida. O vídeo está exposto na mostra
Os trabalhos estão divididos em dois núcleos. O primeiro dentro do carrinho de Firmino, junto com as pinturas que
deles exibe produções já existentes, entre aquarelas, ele realiza sobre pedaços de madeira coletados na rua.
performances e fotografias históricas. Já o outro eixo A artista ressalta que a presença da arte popular dentro
é composto por obras de 17 artistas contemporâneos, do museu não é um dado novo. “O próprio Pietro Bardi
feitas especialmente para a exposição. Mesmo menor trazia obras de desconhecidos para o Masp. Não é uma
que o primeiro, é este núcleo que dá o tom da mostra. ação original, mas foi o que me pareceu mais genuíno
Toledo explica que o objetivo da exposição é abordar para essa exposição. Queria dar visibilidade para aqueles
as ambivalências da avenida: “Ao mesmo tempo que a que são ignorados pela sociedade”, afirma Costi.
Paulista remete ao ideal de progresso, essa mitologia Outra obra produzida coletivamente é a série de desenhos
do bandeirante, ela também carrega signos de pobreza e pinturas dos índios Ibã Huni Kuin, Bane Huni Kuin e Mana
e violência. É nesse conflito, e não no símbolo de cartão- Huni Kuin, da comunidade Aldeia Jordão, no Acre. Os três
-postal, que estamos interessados”, afirma. criaram representações da avenida que se destacam pelas
A primeira parte da exposição adota ordem cronológica, cores vibrantes e principalmente a quantidade de carros
iniciando-se com uma aquarela de Jules Martin, feita em em desequilíbrio com o número de pedestres.
1891, tida como a primeira representação iconográfica Para Toledo, o interessante da série é que ela apresenta
da cidade. Seguem registros dos antigos palacetes da uma perspectiva pouco usual da cidade: “Os desenhos
Paulista, imagens da verticalização da avenida, fotos invertem a lógica dos pintores viajantes que vieram da
de protestos. Outro destaque é o registro das ações do Europa e retrataram as terras nativas a partir da chave
coletivo 3nós3, que atuou nos anos 1970 e 80 fazendo do exótico. Inversamente, os índios apresentam um olhar
intervenções no espaço público. sobre um lugar que também lhes causa estranhamento”.
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Book_ARTE_38_POR.indb 48 3/3/17 9:48 PM