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EXPOSIÇÃO RIO DE JANEIRO
TODOS NO MESMO BARCO
COMO PARTE DO PROGRAMA ARTE E SOCIEDADE NO BRASIL III, O MUSEU DO
RIO DE JANEIRO INAUGUROU EM FEVEREIRO UMA MOSTRA DEDICADA AO DELÍRIO
TEXTO E FOTOS PATRICIA ROUSSEAUX
DOIS ANOS ATRÁS, o então diretor cultural do Museu de compartilhada. Ela abre janelas na vida cotidiana e nos
Arte do Rio, Paulo Herkenhoff, idealizou uma mostra par - convida a construir novos mundos”, diz a curadora.
tindo da hipótese de que existe uma linha tênue entre razão “A intenção é colocar em suspenso a delimitação
e loucura, o senso e o dissenso ou mesmo o nonsense. entre o normal e o dito ‘louco’. A arte e a loucura têm
A seu convite, Tania Rivera, psicanalista e curadora cuja em comum a força de transformação da realidade”,
tese de doutorado na Bélgica foi sobre a psicose, desenvol diz. “Acabei fazendo um recorte na obra do Bispo do
-
veu, ao longo desses dois anos, uma pesquisa que coloca Rosário, por exemplo, ligado a sua produção com bar-
em diálogo obras produzidas por pacientes psiquiátricos cos. No mar precisamos de barcos para não afundar”,
e criações de artistas consagrados cujas obras recu- diz, associando a palavra “mar” às iniciais do museu
sam vias tradicionais de representação ou questionam onde a exposição é realizada (MAR).
o que é chamado de loucura. Tania lembra que barcos
O corolário desse percurso são frequentes no imagi-
é a exposição Lugares do nário da loucura, a exemplo
Delírio, que fica em cartaz de passagens que Foucault
até 18 de junho. A mostra dedicou à sua História da
apresenta mais de 150 tra- Loucura na Idade Clássica,
balhos, entre instalações, um estudo sobre a exclu-
performances, pinturas, são e perseguição do “não
esculturas e desenhos. igual”. “É para o outro
Estão presentes obras de mundo que parte o louco
Fernando Diniz, Raphael em sua barca louca; é do
Domingues e Geraldo Lucio A NAVE DOS LOUCOS A CAMINHO DO PAÍS DOS TOLOS, GRAVURA EM MADEIRA DE 1549 outro mundo que ele chega
Aragão, do Museu do In - quando desembarca. Essa
cons ciente, criado em 1952, no então denominado navegação do louco é simultaneamente a divisão rigo-
Centro Psiquiátrico Nacional, no Engenho de Dentro, rosa e a passagem absoluta. Num certo sentido, ela não
pela psiquiatra Nise da Silveira, que considerava a faz mais que desenvolver, ao longo de uma geografia
esquizofrenia um dos “estados inumeráveis do ser”. semirreal, semi-imaginária, a situação liminar do louco
O que há de delirante na arte e o que há de reflexão no horizonte das preocupações do homem medieval –
sobre a arte na loucura foram questões que orientaram situação simbólica e realizada ao mesmo tempo pelo
a pesquisa. Outra determinante foi tentar romper o privilégio que se dá ao louco de ser fechado às portas da
confinamento da produção dos pacientes psiquiátricos cidade: sua exclusão deve encerrá-lo; se ele não pode e
e discutir sua representatividade em paralelo com a arte não deve ter outra prisão que o próprio limiar, seguram -
exposta em circuitos tradicionais de galerias e museus. -no no lugar de passagem. Ele é colocado no interior do
“A arte parece sempre querer fugir à norma, ou seja, exterior, e inversamente. Postura altamente simbólica
ao hábito e às regras que delimitam nossa realidade e que permanecerá sem dúvida a sua até nossos dias,
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Book_ARTE_38_POR.indb 52 3/3/17 9:48 PM