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REPORTAGEM ACERVO LAGE
o início do acervo recurso para comprar as obras, pois consideramos que
José Eduardo – Nós começamos o Acervo em 2010 isso é importante para o território e seus/suas artistas.
a partir de uma pesquisa sobre a arte invisível dos mostrar o invisível
trabalhadores da beleza nas periferias de Salvador, José Eduardo – Somos cuidados por uma grande quan-
pois, quando terminei o doutorado em Saúde Pública, tidade de pessoas que nos ajudam a desenvolver as
estudando as repercussões do homicídio entre jovens ações como oficinas, bate-papos na laje, visitas guiadas e
da periferia, o professor Gey Espinheira me pediu para depois do site surgiram os convites para exposições no
que eu estudasse a beleza do Subúrbio Ferroviário mam Rio, mam-ba, Sesc Pompeia, e agora no Solar Ferrão
de Salvador e aí junto com Vilma e o fotógrafo Marco com Brasil futuro: as formas da democracia, no mar Rio
Illuminati começamos a fotografar o território, em 2010. e no sesc Belenzinho. Talvez a ideia do Acervo seja a de
Vilma e eu, diante da morte de cinco diferentes artistas mostrar o invisível e quebrar os cânones hegemônicos
do território, começamos a procurar pela cidade em das artes brasileiras, e por isso sempre dialogamos com
brechós e mercados as obras desses artistas para muitos curadores como Keyna Eleison, Pablo de La Fuente,
que as pessoas do território as conhecessem. Como Marcelo Campos, Clarissa Diniz, Igor Simões, Lisette
morávamos numa casa na laje surgiu o Acervo da Laje Lagnado, André Pitol, Yudi Rafael, João Angelino, Ayrson
em 2010, e tivemos que nos mudar depois para uma Heráclito, Marina Fokidis, Ruth Noack, Luiza Proença,
casa alugada até construir a nossa casa, em 2015, que os curadores da 31ª Bienal de São Paulo, na qual fomos
também faz parte do Acervo da Laje. convidados para falar.
compra e venda Participamos da terceira Bienal da Bahia e antes disso
José Eduardo – As obras foram e são compradas, fizemos muitas exposições aqui nas lajes das periferias
encontradas em descartes ou recebidas em doação de Salvador com o projeto #Ocupa Lajes em duas edições
por artistas, moradores e amigos/as. Na época inicial (2016 e 2018), movimentando a cidade inteira. Ou seja,
eu fazia um pós-doutorado pelo pnpd, e isso nos ajudou desde o surgimento o Acervo da Laje sempre buscou
muito na pesquisa, identificação de artistas e depois um não nivelamento por baixo do que é ser um espaço
começamos a fazer dois projetos para tornar visíveis de arte e memória na periferia, sempre dialogamos com
esses artistas e as obras. São 13 anos de trabalho, e todas as pessoas que nos visitam, desde crianças, jovens
não sabíamos o que tínhamos nas duas casas. Durante e adultos e pessoas do mundo inteiro, pois as artes bra-
a pandemia conseguimos um edital para catalogar as sileiras precisam conhecer as produções de artistas das
obras iniciais no site, assim como a criação da hemero- periferias, e eles e elas devem ter seus nomes na história,
teca, tudo isso com a participação de muitas pessoas e não mais ser considerados fazedores de uma arte menor.
do território, particularmente jovens e moradores que sempre com luta
participavam das ações com profissionais das áreas de José Eduardo – Do mesmo jeito que a memória das peri-
museologia, arquivo, design e outros. ferias precisa ser contada por nós, assim precisa ocorrer
Mensalmente tirávamos uma parte dos nossos parcos com a democratização das curadorias, sempre em diálogo.
ganhos para comprar as obras para gerar e difundir a E quando uma pessoa se interessa por um artista nós indica-
criação artística do território. Vilma dava “banca” [aulas mos os próprios para não sermos nós os novos colonizadores,
de reforço escolar] aqui no Acervo, e eu era professor rs. É isso. O Acervo da Laje nasce de um casal, se multiplica
universitário, mas durante a pandemia adoeci e pedi na coletividade do Subúrbio Ferroviário de Salvador, está
demissão da universidade, pois cheguei a receber R$ 250 ligado às novas gerações que começam a trabalhar com
como salário. Aí paramos de comprar as obras com mais cultura e arte, e nas exposições que fazemos fora daqui
regularidade. Mas, antes disso, as coleções já estavam tentamos levar o máximo possível de pessoas para irem
formadas nas duas casas e se constituem como parte conosco e ter um outro horizonte, não mais aquele que era
do Acervo da Laje. relegado à nos, a invisibilidade e a exclusão. Enfim, traba-
Nós não vendemos as obras, pois elas fazem parte lhamos sem dinheiro, mas com muita curadoria e diálogo, e
do Acervo da Laje, que é o único museu-casa-escola do quando a coisa aperta fazemos campanha, pedimos apoio,
Subúrbio Ferroviário de Salvador, e também há muitos mas nenhum apoio formal até hoje nos foi concedido. Tudo
materiais e obras que encontramos descartadas como é sempre – e sempre será – com muita luta, pois viver de
placas, tijolos de antigas olarias, esculturas e tudo isso arte e memória no Brasil é um desafio. Mas nós gostamos
também faz parte do Acervo. Quando conseguimos de desafio. E, como sempre, temos sido muto bem cuida-
aprovar um projeto também reservamos um pequeno dos fora da Bahia, rs.
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