Page 112 - ARTE!Brasileiros #37
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CRÍTICA BIENAL







             A INSTITUIÇÃO CULTURAL MAIS RESPEITADA

             DO BRASIL VIVE TEMPOS DE INCERTEZA
             32ª Bienal de São Paulo


             POR LEONOR AMARANTE                                           DETALHE DA OBRA UNCONFORTABLE OBJECTS (2012), MARIANA CASTILLO DEBALL

             INCERTEZA VIVA? O título da 32ª Bienal de São Paulo    com as complexas junções de obras de artistas consagrados –,
             é um tiro na mosca. Há pelo menos dez anos a instituição nos   a Bienal de São Paulo opta por um “experimental”,
             dá provas de que uma “incerteza viva” ronda o evento cultural   que nem sempre é inovador nem surge de experimentos.
             brasileiro mais antigo, conhecido e respeitado no exterior.    O grande salto da Bienal de São Paulo ocorreu em 1981,
             Não se trata de tentar entender as últimas edições com    na 16ª edição, sob a curadoria do crítico e historiador Walter
             a chave do passado, como aquela mostra que já nos   Zanini, que extinguiu as representações nacionais e passou
             apresentou obras superdimensionadas, impactantes, capazes   a organizar a exposição por analogia de linguagem, não mais
             de potencializar sozinhas toda uma edição. Nem tampouco   geograficamente por países. Na ocasião, Zanini convocou
             defender uma mostra pautada pelos star systems como   diretores de museus e curadores de bienais para pensarem
             Richard Serra, Pipilott Rist, Joseph Beuys, Anish Kapoor    juntos o novo formato. Como jornalista, segui de perto
             e Gerhard Richter, que já estiveram por aqui. Como observa    o encontro que lamentou a morte de um de seus integrantes:
             a crítica Rosalind Krauss, não é de hoje que os campos    Luigi Carlucho, então diretor artístico da Bienal de Veneza.
             estão expandidos e apontam para a progressiva dissolução    O que surpreende é que a imprensa, erroneamente, vem
             de fronteiras entre as disciplinas, demarcando a crise da   noticiando que a abolição de representação por países só
             autonomia da arte, chamada de “formalismo moderno”. Esta   ocorreu em 2006, na 27ª Bienal, sob a curadoria de Lisette
             32ª edição, que tem a curadoria geral de Jochen Volz, explora   Lagnado, provavelmente mal informada pelo próprio site da
             o uso de materiais naturais, encoraja alguns artistas que não   Bienal. O curioso é que o mesmo site, no capítulo da 16ª Bienal
             dão conta da liberdade inventiva que lhes é oferecida e muito   atribui também ao seu curador Zanini a autoria da mudança.
             menos quebram rotinas ou subvertem tradições. Isso    Lamentável é que esse erro primário ainda esteja no site
             é bom ou é ruim? Frans Kracjberg exibe de maneira muito   e continue a disseminar, internacionalmente, este equívoco.
             mais simples a exuberância da natureza, com sofisticação    De volta à 32ª edição, entre os pontos positivos, ressaltam-se
             de formas e magnitude que parecem não caber na retina.    os textos do catálogo, com destaque para Júlia Rebouças.
             O enfraquecimento da Bienal coincide com a crise econômica   No conjunto eles são simples, diretos, sinceros e reforçam
             do País, mas seria providencial que a Fundação Bienal refletisse   o desafio de se atingir o equilíbrio entre conceito e forma.
             sobre seu rumo para resgatar a autenticidade de seu ser.   Algumas obras serão lembradas, entre elas a videoinstalação
             Tudo bem. Estamos falando de épocas distintas: uma    A Minute Ago, da americana Rachel Rose, um jogo translúcido
             em que o dinheiro corria fácil pelas bolsas de valores,    entre a Casa de Cristal do arquiteto Phillip Johnson
             caixas dos bancos e os patrocínios chegavam com facilidade    e uma tempestade na praia, e Ágora: OcaTaperaTerreiro,
             à Fundação Bienal; e outra, atual, com orçamento minguado.   “instalação antropológica” de Bené Fonteles, que está
             No entanto, parece que obras potentes não interessam    no eixo de diversas culturas brasileiras, um desdobramento
             mais ao sistema de arte e a palavra de ordem é compartilhar,   de seu envolvimento de décadas com os povos indígenas.
             retomar questões antigas e colocar algumas atuais em pauta.   Parafraseando o filósofo Zygmunt Bauman sobre
             As ambições da arte contemporânea, como aponta    as mudanças rápidas que ocorrem na contemporaneidade,
             o filósofo Arthur Danto, não são mais estéticas – o que   sem embasamento firme ou algo que dê forma, estamos
             interessa é o contato imediato com as pessoas.   vivendo no que ele chama de modernidade líquida. “A ideia
             Olhando o panorama desta 32ª edição com 450 obras,    é adaptar-se às situações como a água o faz, de acordo com
             vindas de 70 países, descobrimos que grande parte delas    o recipiente em que é inserida”. Esta Bienal “verde” está
             fala de ecologia, recursos naturais, cosmologia e antropologia.   no mesmo edifício desde 1959 e, neste ano, tenta se adaptar
             Conceitualmente, tudo bem, mas o que vemos exposto está   à imaterialidade das novas formas. Invoca entidades xamânicas,
             aquém do esforço de montar um evento dessa amplitude.    foca o homem e a natureza, entra em questões biológicas –
             Há pelo menos dez edições a Bienal de São Paulo enfrenta    como o francês Pierre Huyghe, que exibe o vídeo De-Extinction,
             um desafio construtivo. Em décadas anteriores, a imponente   com imagens microscópicas de insetos e uma sala com
             arquitetura de Oscar Niemeyer era “domada” por obras    quatro mil moscas. Quando o espectador se movimenta,
             e pela expografia que não a deixavam engoli-las. Hoje,    elas o seguem e formam uma nuvem sobre sua cabeça.
             as curvas que celebrizaram o arquiteto se impõem diante    Assim como as moscas de Huyghe, uma “incerteza viva”
             da fragilidade das obras. Ao contrário de bienais como    nos acompanha nestes tempos obscuros de política
             as de Veneza, Lyon, Havana e Istambul – que se abrem    de caráter duvidoso, economia frágil e horizonte nebuloso
             ao desconhecido para encontrar o novo, mas equilibrando    quanto à qualidade da própria produção artística
             a arte emergente, provocativa, sem rastro, coletiva, artesanal,   e das próximas edições da Bienal de São Paulo.


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