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CRÍTICA BIENAL
A INSTITUIÇÃO CULTURAL MAIS RESPEITADA
DO BRASIL VIVE TEMPOS DE INCERTEZA
32ª Bienal de São Paulo
POR LEONOR AMARANTE DETALHE DA OBRA UNCONFORTABLE OBJECTS (2012), MARIANA CASTILLO DEBALL
INCERTEZA VIVA? O título da 32ª Bienal de São Paulo com as complexas junções de obras de artistas consagrados –,
é um tiro na mosca. Há pelo menos dez anos a instituição nos a Bienal de São Paulo opta por um “experimental”,
dá provas de que uma “incerteza viva” ronda o evento cultural que nem sempre é inovador nem surge de experimentos.
brasileiro mais antigo, conhecido e respeitado no exterior. O grande salto da Bienal de São Paulo ocorreu em 1981,
Não se trata de tentar entender as últimas edições com na 16ª edição, sob a curadoria do crítico e historiador Walter
a chave do passado, como aquela mostra que já nos Zanini, que extinguiu as representações nacionais e passou
apresentou obras superdimensionadas, impactantes, capazes a organizar a exposição por analogia de linguagem, não mais
de potencializar sozinhas toda uma edição. Nem tampouco geograficamente por países. Na ocasião, Zanini convocou
defender uma mostra pautada pelos star systems como diretores de museus e curadores de bienais para pensarem
Richard Serra, Pipilott Rist, Joseph Beuys, Anish Kapoor juntos o novo formato. Como jornalista, segui de perto
e Gerhard Richter, que já estiveram por aqui. Como observa o encontro que lamentou a morte de um de seus integrantes:
a crítica Rosalind Krauss, não é de hoje que os campos Luigi Carlucho, então diretor artístico da Bienal de Veneza.
estão expandidos e apontam para a progressiva dissolução O que surpreende é que a imprensa, erroneamente, vem
de fronteiras entre as disciplinas, demarcando a crise da noticiando que a abolição de representação por países só
autonomia da arte, chamada de “formalismo moderno”. Esta ocorreu em 2006, na 27ª Bienal, sob a curadoria de Lisette
32ª edição, que tem a curadoria geral de Jochen Volz, explora Lagnado, provavelmente mal informada pelo próprio site da
o uso de materiais naturais, encoraja alguns artistas que não Bienal. O curioso é que o mesmo site, no capítulo da 16ª Bienal
dão conta da liberdade inventiva que lhes é oferecida e muito atribui também ao seu curador Zanini a autoria da mudança.
menos quebram rotinas ou subvertem tradições. Isso Lamentável é que esse erro primário ainda esteja no site
é bom ou é ruim? Frans Kracjberg exibe de maneira muito e continue a disseminar, internacionalmente, este equívoco.
mais simples a exuberância da natureza, com sofisticação De volta à 32ª edição, entre os pontos positivos, ressaltam-se
de formas e magnitude que parecem não caber na retina. os textos do catálogo, com destaque para Júlia Rebouças.
O enfraquecimento da Bienal coincide com a crise econômica No conjunto eles são simples, diretos, sinceros e reforçam
do País, mas seria providencial que a Fundação Bienal refletisse o desafio de se atingir o equilíbrio entre conceito e forma.
sobre seu rumo para resgatar a autenticidade de seu ser. Algumas obras serão lembradas, entre elas a videoinstalação
Tudo bem. Estamos falando de épocas distintas: uma A Minute Ago, da americana Rachel Rose, um jogo translúcido
em que o dinheiro corria fácil pelas bolsas de valores, entre a Casa de Cristal do arquiteto Phillip Johnson
caixas dos bancos e os patrocínios chegavam com facilidade e uma tempestade na praia, e Ágora: OcaTaperaTerreiro,
à Fundação Bienal; e outra, atual, com orçamento minguado. “instalação antropológica” de Bené Fonteles, que está
No entanto, parece que obras potentes não interessam no eixo de diversas culturas brasileiras, um desdobramento
mais ao sistema de arte e a palavra de ordem é compartilhar, de seu envolvimento de décadas com os povos indígenas.
retomar questões antigas e colocar algumas atuais em pauta. Parafraseando o filósofo Zygmunt Bauman sobre
As ambições da arte contemporânea, como aponta as mudanças rápidas que ocorrem na contemporaneidade,
o filósofo Arthur Danto, não são mais estéticas – o que sem embasamento firme ou algo que dê forma, estamos
interessa é o contato imediato com as pessoas. vivendo no que ele chama de modernidade líquida. “A ideia
Olhando o panorama desta 32ª edição com 450 obras, é adaptar-se às situações como a água o faz, de acordo com
vindas de 70 países, descobrimos que grande parte delas o recipiente em que é inserida”. Esta Bienal “verde” está
fala de ecologia, recursos naturais, cosmologia e antropologia. no mesmo edifício desde 1959 e, neste ano, tenta se adaptar
Conceitualmente, tudo bem, mas o que vemos exposto está à imaterialidade das novas formas. Invoca entidades xamânicas,
aquém do esforço de montar um evento dessa amplitude. foca o homem e a natureza, entra em questões biológicas –
Há pelo menos dez edições a Bienal de São Paulo enfrenta como o francês Pierre Huyghe, que exibe o vídeo De-Extinction,
um desafio construtivo. Em décadas anteriores, a imponente com imagens microscópicas de insetos e uma sala com
arquitetura de Oscar Niemeyer era “domada” por obras quatro mil moscas. Quando o espectador se movimenta,
e pela expografia que não a deixavam engoli-las. Hoje, elas o seguem e formam uma nuvem sobre sua cabeça.
as curvas que celebrizaram o arquiteto se impõem diante Assim como as moscas de Huyghe, uma “incerteza viva”
da fragilidade das obras. Ao contrário de bienais como nos acompanha nestes tempos obscuros de política
as de Veneza, Lyon, Havana e Istambul – que se abrem de caráter duvidoso, economia frágil e horizonte nebuloso
ao desconhecido para encontrar o novo, mas equilibrando quanto à qualidade da própria produção artística
a arte emergente, provocativa, sem rastro, coletiva, artesanal, e das próximas edições da Bienal de São Paulo.
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