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EXPOSIÇÃO SÃO PAULO
percebi que ela foi totalmente produzida. Claro,
era para uma revista, mas a gente imagina que
foi um momento espontâneo dentre muitos que
o fotógrafo registrou. Mas percebi que não. Foi
posado mesmo, aquela luz é totalmente imprová-
vel. Então a verdade é que essa foto já era uma
simulação naquela época. Demorei mais de dez
horas para fazer aquele clique. Ou seja, apresentar
esse discurso de suposta originalidade em 2016 é
totalmente incoerente”, afirma o artista.
Essa imagem é uma das pistas que levam o público
a desconfiar do que está vendo, como pontua a
curadora: “A ideia é que as pessoas sejam tra-
gadas para dentro dessa ilusão. E, a partir de
alguns sinais, percebam que há algo estranho. O
intuito é que o espectador volte para a primeira
sala dizendo: acho que eu não posso confiar no
que vi aqui”. Há, portanto, uma espécie de clima
de suspense que traz a questão: “Mas quem de
fato é Gustavo von Ha?”. Na terceira e última sala,
são expostos documentos, fotografias, livros e
cadernos que remetem a esse universo ficcional
da vida do artista, fazendo com que a confusão
do público aumente. Há, porém, uma obra central
na qual a ironia da mostra fica evidente: um vídeo. NÃO PINTURA 04, (2015), GUSTAVO VON HA. ÓLEO SOBRE TELA
Intitulado Atravessado pelo Tempo, o audiovisual
mostra a suposta trajetória do artista – como
descrita no primeiro parágrafo deste texto – a A crítica se dá, assim, dentro do próprio museu,
partir de comentários de especialistas como Tadeu o que enfatiza o caráter de metalinguagem
Chiarelli e Maria Alice Milliet. A curadora aponta a da mostra: “A exposição está inserida em um
relevância desse trabalho: “O vídeo é muito forte. museu, mas subverte toda a instituição. Tudo,
Primeiro porque o Gustavo conseguiu convencer desde a ficha técnica até a localização das
esses especialistas a participar. E todos discutem obras”, afirma Von Ha. Essa subversão por den -
outros trabalhos ou roteiros pensados por ele”. tro também aponta para a autocrítica: “Quando
A atuação é um aspecto central da mostra, o que a gente faz essa denúncia do sistema das artes,
leva o artista a associar a exposição à perfor- é complexo porque nós também estamos dentro
mance: “O que se faz hoje, e eu me incluo nisso, dele. Ele é artista, eu sou curadora. Mas se trata
é uma grande representação. As pessoas simu- de questionar por que essa estrutura ainda
lam muitas coisas, são personagens. E no filme permanece quando a gente já desvendou todo
eu questiono isso: por que o artista tem que ser o sistema”, afirma Avelar.
desse jeito? Para onde estamos caminhando?”.
“Hoje tudo já é conhecido, a tradição parece um Inventário: Arte Outra
terreno muito seguro. Nesse sentido, o sistema Até 5 de fevereiro de 2017
da arte é uma grande encenação. Essa exposição Museu de Arte Contemporânea da USP
é um trabalho muito político, pois denuncia todo Av. Pedro Álvares Cabral, 1.301 - São Paulo-SP, Brasil
11 2648-0254
esse mecanismo”, conta.
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