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EXPOSIÇÃO CURITIBA
CORES CORROSIVAS SOB A “PELE”
DE UMA PINTURA GEOMÉTRICA
GONÇALO IVO APRENDEU O IDIOMA DE IBERÊ CAMARGO E MARIA LEONTINA, ENTRE OUTROS
MESTRES FREQUENTADORES DA CASA DE SEU PAI, O POETA LÊDO IVO
POR LEONOR AMARANTE
A PINTURA É COMO A MARÉ, se movimenta tecidos tribais afloram em sua pintura, enquanto
em um ir e vir em todos os períodos da história nas suas peças tridimensionais pulsam signos e
da arte. Há os sobreviventes, os quais um dia o símbolos característicos da cultura africana. A
sistema de arte tentou afogar na onda das escul- rigor, Ivo bebeu em várias fontes, como ele mesmo
turas minimalistas, das instalações, intervenções diz, desde a Idade Média. Suas influências dire-
urbanas, performances. Um dos protagonistas tas são os amigos de seu pai, o poeta Lêdo Ivo,
desta insistência é o pintor carioca Gonçalo Ivo, que também colecionador, cuja casa frequentavam
um dia deixou o Brasil para se fixar em Paris, onde Maria Leontina, Iberê Camargo e Lygia Clark, entre
experimenta experiências sintéticas de um geome- outros artistas.
trismo abstrato, cheio de porosidade e matéria. O Em algumas telas, o rigor das formas é equilibrado
título da mostra, A Pele da Pintura, no Museu Oscar pela fusão colorística ligada à música, uma das
Niemeyer, em Curitiba, dado pelo curador Felipe paixões de Ivo. Ao iniciar aulas de piano fez surgir
Scovino, é perfeito. O conjunto de obras exposto dá nas pinturas uma referência à pauta musical, numa
a pista para a descoberta de que tipo de superfície relação harmoniosa entre a música, a forma e a
encobre a materialidade densa da obra de Ivo. A cor. Como pintor, Ivo se envolve com a fabrica-
utilização de formas geométricas imediatamente ção da tinta a óleo que utiliza, um procedimento
conduz o observador para uma percepção ligada antigo, próprio de quem tem a alma tingida pela
ao abstracionismo e, na sequência, o conduz ao cor. Como fazia Volpi, ele também usa a têmpera
prazer das cores que se espraiam em densidades feita com ovo, mas a aplica com muitas camadas,
múltiplas sobre as “peles”. tecnicamente diferente de Volpi que a usava de
Assim como na arquitetura, design, moda, cada maneira translúcida em camadas finas e sutis. Ivo
objeto tem uma “pele”, impermeável ou porosa, não pode utilizá-la no Brasil por causa da formação
lisa ou rugosa, grossa ou fina, plana ou com relevo. de fungos. Em suas últimas telas emerge uma pin-
A pintura de Ivo é como uma cobra que constan- tura suave, na qual a cor corrosiva praticamente
temente troca as “peles”, todas coloridas e que desaparece para dar lugar a tons rebaixados, trans
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se manifestam entre certa rigidez formal e uma lúcidos que tomam conta da tela, revelando um
alegria espontânea, especialmente nas telas sob a outro lado da pintura de Ivo que nesta exposição
influência dos tecidos geométricos africanos. Este tem participação discreta, somente em três telas.
procedimento antropofágico de se abrir para outras Com curadoria de Scovino, a exposição, que
épocas é uma das características de alguns artistas abrange 118 obras, entre 32 pinturas, 42 aquare-
que se fixam em Paris, desde os modernistas. Ivo las e 44 objetos, percorre a trajetória do artista
se deixou influenciar pela arte africana, da qual é nas duas últimas décadas. No conjunto, a mostra
colecionador, e várias estruturas geométricas dos revela que a arte de Ivo é gesto ao qual se juntam
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