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INÍCIO DESNORTEADO, PERO NO MUCHO…


                marcio botner nunca foi um garoto prodígio, mas   arte. “Quando a gente estreou o Abre Alas, há 19 anos,
                o destino o empurrava naturalmente para a cultura. “Arte   pensamos que seria apenas um evento, eu nem pensava
                é uma coisa antiga na minha vida. Aos 13 anos, achava   que haveria continuidade, acho que nem a Laura nem o
                que ia ser ator. Fiz teatro, fui lá estudar Stanislavski até   Neto.” Quando a Gentil chegou ao terceiro ano, alguns
                que estreei, na peça de Brecht O rei e o mendigo, ence-  artistas já iam avisando: “estou preparando trabalhos
                nada por apenas dois atores.” Botner era o mendigo que   para o Abre Alas”. Foram os artistas que decidiram dar
                viraria rei, se não estragasse tudo logo que abriu a boca.   continuidade ao projeto, foi quase uma imposição, eles
                “Na minha primeira fala me atrapalhei e disse a última   perceberam que as pessoas acreditavam que o projeto
                frase da peça, quando me tornaria rei. Fiquei paralisado   havia chegado para ficar, assim como a galeria. “Um dia
                e não demos continuidade ao espetáculo, as pessoas   Neto e eu fomos à abertura de uma mostra no Centro
                ficaram perplexas, embora a maioria fosse colegas que   Hélio Oiticica, que fica próximo da Gentil, de repente um
                estudavam também teatro além de parentes, alguns   artista zangado chegou até a gente e reclamou que não
                até xingaram. As cortinas foram fechadas e eu, atônito,   foi convidado a expor na próxima exposição que iria ser
                desisti do meu sonho.”                           aberta. “O clima ficou desagradável e o Neto, genial, teve
                  Alguns anos depois Botner decidiu fazer cursos de   uma saída, disse a ele que se quisesse expor havia uma
                artes visuais e se aprofundar. Um dia, entusiasmado, falou   parede externa da galeria, que chamamos de piscina. Vai
                para si mesmo. “Isso é o que eu quero fazer na minha vida”.   lá, leva a obra e coloca você mesmo na parede e se mais
                Animado foi estudar no Parque Lage, onde ficou muitos   alguém quiser participar, tudo bem.” Quando Botner foi
                anos e encontrou vários artistas. “O Arjan estava lá, era   ver tinha mais de 30 obras, de vários artistas. “É isso aí,
                mais velho do que eu e havia outros artistas bacanas, a   temos que escutar o artista e usar isso da melhor maneira
                Laura Lima é desse período, o Ernesto Neto não estava   para que os conceitos ganhem mais força.”
                mais lá, era de uma geração posterior.” Durante sua   Entre os projetos que ele destaca está o Projeto Camisa
                permanência no Parque, Botner ia germinando a ideia   Educação. Resumindo: cada artista que expõe na Gentil
                de criar um espaço de arte. “O desejo foi materializado   cria uma camisa com a palavra educação, para o dia da
                no encontro com Laura Lima e Ernesto Neto. “A Gentil   abertura e com isso já se formou uma grande coleção.
                surgiu onde era meu ateliê, em pleno centrão do Rio de   Entre outros projetos, há o que se pode chamar de “núcleo
                Janeiro, perto do Saara, depois ocupamos o andar de   duro” do conceito da galeria, o Alalaô, definido como a
                baixo e ainda outros prédios. A Elsa se junta a nós, um   arte pública que enaltece as ruas, e que acontece na
                tempo depois. Naquela época não tinha ideia do que   praia do Arpoador no Rio.
                era ser um galerista, nunca trabalhei numa galeria como   Pergunto para onde desagua toda essa produção. Sem
                assistente, nem em museus.” Então, muitos projetos   modéstia, Botner diz que desde o início da Gentil eles
                nasceram do encontro dos três colegas, que apostavam   são convidados para as grandes feiras internacionais. “As
                em um desejo quase juvenil. Márcio não sabe precisar,   feiras representam muita coisa para a Gentil, encontro
                mas imagina que cada um deles deve ter colocado algo   com curadores, artistas, diretores de museus. Nesses
                por volta de R$ 500. “No início eu trabalhava sozinho,   20 anos já houve momento de eu estar muito cansado.”
                fazia de tudo e quando chegava o horário do almoço,   Desses grandes eventos ele ainda cita a Bienal de São
                simplesmente colocava uma plaquinha sobre a mesa: Fui   Paulo, que em sua opinião representa muito para todos
                almoçar, volto já. Começamos lidando com mil improvi-  os artistas que sempre aprendem alguma coisa e para
                sos, sempre resolvidos entre nós três.”          os brasileiros também, por toda a história da instituição
                  Muita gente não sabe que Botner é artista, e é jus-  que é a segunda mais antiga do mundo (1951), perdendo
                tamente esse lado, segundo ele, que o ajuda a levar a   apenas para Veneza (1895).
                galeria, a sua maneira de pensar, não só na arte como   “Não se pode esquecer que a Guernica de Picasso já
                na vida como um todo. “Eu adoro ser galerista, ativista   foi exposta por aqui”, em sua segunda edição (1953/1954)”.
                como você falou, que é mais do que simplesmente lan-  A Gentil Carioca exerce um protagonismo empírico desde
                çar o artista, na realidade é trabalhar para pensar o lado   o dia em que Botner, Neto e Laura Lima, sentados num
                social, político e artístico de tantos projetos. Eu acho que   bar, comendo sardinha frita e tomando chope, decidiram
                esse lado de ser artista é o fundamental.” Botner fala de   inventar uma galeria diferente e chegaram a esse modelo
                tantos gatilhos que eles têm que acionar manobrando   que é a cara do Rio, “e do mundo”, arremata Botner.
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