Page 31 - ARTE!Brasileiros #37
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na capa da maioria dos jornais do mundo todo. Jaar destacou OUTRAS PERSPECTIVAS
como a foto publicada chegou a alterar parte do debate sobre A conexão entre a arte e outros campos do
os refugiados na Europa. saber foi discutida na segunda parte do semi-
Curador da 32ª Bienal Internacional de São Paulo, Jochen Volz nário. Em sua fala, Carolyn Christov-Bakargiev,
falou sobre o papel da arte no século XXI. “Nos últimos anos, curadora responsável pela dOCUMENTA 13,
não podemos fugir da sensação de incerteza. Vivemos um citou a mostra Intention to Know, que realizou
tempo marcado por manifestações de xenofobia, uma mudança na Stony Island Arts Bank, em Chicago. A expo -
climática assustadora e instabilidade política, social e econô- sição era uma homenagem à ativista britânica
mica. Diante disso, queríamos criar uma Bienal que fosse de Annie Besant, que desenvolveu teorias sobre
a Teosofia, doutrina que condensa elementos
filosóficos, religiosos e científicos. É justamente
a união entre esses diversos saberes que a
curadora propõe em suas exposições. Citando
o filósofo Theodor Adorno, Christov-Bakargiev
defendeu que as categorias “podem se tornar
muito opressivas, mas aos poucos isso está
mudando, com a realização de mostras mais
livres, que quebram esses paradigmas”.
A reorganização dos museus também foi pon-
tuada pelo diretor artístico do MALBA, Agus-
tín Pérez Rubio, para quem os museus devem
questionar a visão linear do tempo histórico.
“Precisamos pensar a partir de outras lógicas,
um mesmo momento pode ser marcado por
múltiplas temporalidades.” Ele ainda reforçou
a importância de as instituições se aterem a
fato plural, onde a ideia de exclusão não existisse”, comentou. novas narrativas provindas de grupos margina-
Ele também citou o momento político brasileiro: “Ao assumir a lizados como os índios, as mulheres, os negros
Presidência, Temer falou que acabou a incerteza. Isso é muito e os homossexuais.
pretensioso. Então é muito bom que nós estejamos reunidos A presença de perspectivas não hegemôni -
aqui para falar sobre a incerteza”. cas também foi ressaltada por Marina Fokidis,
O questionamento do conceito de real também foi mencionado diretora artística da dOCUMENTA 14, e Diana
pelo psicanalista Christian Dunker: “Colocar a realidade sob Wechsler, curadora do MUNTREF (Museo de la
suspeita é condição característica da experiência contempo- Universidad Nacional Tres de Febrero). Esta última
rânea. Suspeita de que a realidade diante de nossos olhos falou sobre os desafios da Bienal Sur, evento cujo
não é o que parece nem o que aparece”. Segundo Dunker, o objetivo é promover um diálogo entre artistas reno-
sentimento de que há algo errado com a realidade provoca o mados do mundo e seus colegas da América do
sofrimento, estado abordado pela arte e a psicanálise: “Tanto a Sul. Já Fokidis comentou sobre o conceito de Sul
produção artística quanto a psicanálise têm uma tarefa comum Global, que permeia a dOCUMENTA 14. Segundo
que é responder ao sofrimento, esta experiência humana uni- a curadora, ele não se restringe a um territó-
versal. E uma das funções históricas da arte é dar linguagem rio geográfico, mas trata-se de “um estado de
ao mal-estar, oferecer recursos para nossa experiência de espírito que evolui para caminhos indefinidos”.
descompasso com o tempo”. Ela contou que na crise europeia “houve uma
Na mesma linha, a também psicanalista Tania Rivera abordou o separação do continente entre norte e sul. Nessa
próprio conceito de incerteza. “Precisamos mesmo de certezas? divisão, a Grécia e outros países assumiram os
As certezas não curam, antes, creio que costumam adoecer-nos. estereótipos negativos do que seria o sul”. Foi nesse
Não acredito que a ilusão de uma firme posição no mundo seja contexto que surgiu a revista South as a State of
ela mesma uma garantia de bem-estar. Pelo contrário, nossos Mind, hoje plataforma da dOCUMENTA 14, que
sintomas íntimos e sociais estão cheios de certezas.” propõe um olhar não hegemônico.
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Book_37.indb 31 11/21/16 8:25 PM