Page 95 - ARTE!Brasileiros #38
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CRÍTICA EXPOSIÇÃO







                             NO MESMO LUGAR E EM LUGAR NENHUM

                             Com interface entre design e arquitetura, instalação de Ana Maria Tavares aponta
                             contradições na recusa de ornamentos, entre outros preceitos modernos


                             POR MIRTES MARINS DE OLIVEIRA


                             NO LUGAR MESMO – UMA ANTOLOGIA DE
                             ANA MARIA TAVARES, na Pinacoteca até 10 de abril,

                             traz uma seleção de trabalhos da artista com curadoria
                             de Fernanda Pitta, 35 anos depois de sua primeira
                             individual, denominada Objetos e Interferências,
                             realizada na mesma instituição.
                             A artista propôs elaborar a mostra a partir da ideia
                             de instalação e intervenção no edifício que guarda mais
                             de 160 obras de vários períodos distribuídos por sete
                             salas do primeiro andar, corredores, lobby e octógono.
                             Essa interferência resulta em um ambiente denso,
                             que aglutina e encobre estratos das histórias
                             da arte, do design e da arquitetura, fornecendo
                             pistas para um jogo de avaliação histórica.
                             Está conectado a essa interferência, e pode
                             ser experimentado pelos visitantes, um inventário
                             das concepções e das visualidades que marcaram    SINFONIA TROPICAL VI, ANA MARIA TAVARES
                             a elaboração do projeto moderno. Toda essa herança
                             é revisada por um filtro sutil e irônico, quase ambíguo
                             em seus efeitos: ao mesmo tempo que tudo seduz, nessa
                             atmosfera, sensações melancólicas e claustrofóbicas se   d’Invenzione, de Piranesi, atualizado, mostrando
                             instauram. Os trabalhos conseguem dar a exata medida   a face dupla e desdobrada do projeto moderno.
                             das incapacidades das promessas utópicas modernas.   O eixo da exposição é a instalação Bico de Diamante
                             Estão ali os seus símbolos mais emblemáticos:    (1990), adquirida pela Pinacoteca em 2014 e que
                             as grades e as transparências, a precisão tecnológica,    organiza a pauta histórica, institucional e conceitual
                             a convergência entre arte, design e arquitetura,    para toda a nova instalação. Nela está presente
                             os materiais industrializados e sua consequente    a provocação reflexiva em direção ao visitante,
                             falta de marcas humanas, o projeto de construção    que é submetido à ordem e ao mesmo tempo
                             de um mundo novo e o apelo das superfícies.   ao fascínio dos elementos visuais.
                             Todos esses elementos são, ao mesmo tempo,   Em seu texto fundante do Modernismo, que
                             perpassados pela inutilidade, pela incapacidade    posteriormente inspirou Walter Gropius em seus projetos
                             de reter os índices do tempo, pelo esvaziamento    educacionais e arquitetônicos, Ornamento e Delito
                             de significados e pela organização dos corpos    (1908), Adolf Loos sentenciava que “a evolução da cultura
                             para a vida sem autonomia.                   é equivalente à retirada de ornamentos dos objetos usuais”.
                             Parece ser o objetivo da exposição desdizer,    Ao evocar os diferentes projetos modernistas nos
                             em detalhes, aquelas utopias e suas permanências    quais a estrutura se coloca, em detrimento do adorno
                             nos dias atuais. Em particular o conjunto de obras   e da presença das subjetividades, Ana Tavares promete
                             presentes no octógono, que provoca uma vertigem   organizar um mundo de tecnologias e materiais
                             anunciada, parece inicialmente apontar para projetos   industrializados e indica que não há um paralelismo
                             expositivos de El Lissitzky e dos arquitetos italianos   de afinidades entre progresso tecnológico e evolução
                             Edoardo Persico e Marcello Nizzoli, com grades    humana.  A expressão “no lugar mesmo” pode ser
                             que organizam o ambiente e deixam transparecer    lida tanto pelo fato de a artista ocupar novamente
                             os elementos históricos do lugar no qual se instala.   o espaço institucional de maneira totalmente diferente
                             Mas o que nesses artistas das vanguardas era ativismo   dos anos 1980 quanto por demonstrar com seus trabalhos
                             político (comunista, no caso de Lissitzky, e fascista,    que, ao contrário do que Loos (e todos os modernismos)
                             no de Persico e Nizzoli) e diálogo entre linguagens    propunha – abolir os ornamentos e, portanto,
                             e tempos diferentes, aqui, principalmente pelo uso dos   aprimorar o progresso tecnológico e organizacional –,
                             espelhos, torna o visitante aprisionado em um Carceri   deixou a cultura no mesmo lugar e em lugar nenhum.


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