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35ª BIENAL DE SÃO PAULO CRÍTICA
foi justamente a “pressão” organizada das parcelas opri- Rommulo Vieira da Conceição, artista e profes-
midas pelo epistemicídio e pelo horror econômico que sor baiano radicado em Porto Alegre, no sul do país,
vem exigindo a circulação e o acesso às representações apresenta proposições instalativas que investigam
artísticas e intelectuais presentes nesta Bienal. Aliás, a arquiteturas a partir da reprodução colorida de alguns
ascensão de negras, negros, originários e outros grupos de seus elementos. Elas existem em contraste com
marginalizados também é devedora das conquistas de o branco e as curvas modernas do prédio da Bienal.
políticas públicas que recentemente promoveram ações Conceição, afrodescendente, não replica na sua obra
afirmativas e de reparação, notadamente visando criar os protestos militantes. Embora existam elementos
acesso à educação superior. que sutilmente sugiram sua origem étnica, não é sobre
No centro do pavilhão térreo que dá acesso à expo- esse tema que o artista se debruça. Essa, digamos,
sição, uma discreta estrutura branca e cruciforme sus- fronteira, que estabelece o campo da militância, da arte
tenta, em cada uma das suas bases, uma televisão, em participativa e do suposto formalismo apolítico é cada
que são apresentados filmes documentários sobre a vez mais obsoleta, pois não é exatamente de tensão que
bailarina e coreógrafa afro-americana Katherine Dunham trata a obra, mas da realocação, de deslocamento de
(1909-2006). Lendária, Dunham teve, e continua tendo, significados e de sentidos.
um papel relevante na sua área e mesmo fora dela, já O trabalho da fotógrafa Rosa Gauditano, por exemplo
que teve atuação destacada na luta por direitos civis e a propósito, amplia o debate em torno de uma história
em seu país. Dunham, através da sua atuação nos pal- lésbica no país, mas para além disso revela a gravidade
cos, procurou erodir e contestar a dicotomia que opõe de uma obra até então pouco considerada. A história
conhecimento assim chamado “erudito” àquele de que ela apresenta a partir das suas fotos, apesar dos
extração “popular”. Sua dança atualiza a importância avanços observados em certos círculos, continua em
dessa linguagem pois trata-se da manifestação que geral na surdina. Aqui ela ganha amplitude, como se
participa religiosa e secularmente do centro de cosmo- estabelecesse uma “zona temporária de liberdade”,
gonias que foram duramente reprimidas, justamente que fora desse território é interditada pela agenda dos
por participarem de maneira constitutiva do universo assim autodenominados conservadores.
simbólico e cotidiano dos colonizados e oprimidos, A sedimentação de um vocabulário que traduza
que através da dança preservaram (protegeram) seus as inquietações dos divergentes permitirá que ele
corpos em sintonia com suas mentes. seja incorporado ao repertório das ideias e ações do
E é emblemático que neste mesmo primeiro piso cotidiano. Banalizado, esse mesmo glossário pode
esteja presente o trabalho do também pioneiro artista injustamente sugerir que já existe uma equitativa
e curador negro Emanoel Araújo (1944-2022). Falecido representação de classe, gênero e raça no ambiente
há exato um ano, ele também foi um dos artífices dos da arte. Pode, pior ainda, sugerir o predomínio de um
caminhos que nos trouxeram até aqui e a alguns dos grupo, antes estigmatizado e relegado, sobre outro,
resultados presentes nesta exposição. que sempre foi incensado e super representado. Os
Essas escolhas sugerem um projeto curatorial que quatro curadores dessa Bienal, Diane Lima, Grada
recusa o epistemicídio a que são submetidas as popu- Kilomba, Hélio Menezes e Manuel Borja-Villel, trazendo
lações a que, significativamente, muitos dos artistas para o centro do pavilhão produções historicizadas,
presentes na mostra pertencem. como a de Emanoel Araújo ou em processo de his-
No museu criado por Araújo em 2004, o Afro Brasil, toricização, como a obra de Rosa Gaditano e Sidney
que recentemente incorporou ao seu nome o nome de Amaral (1973-2017), assumem o risco de sinalizar para
seu criador, há marcada presença de obras realizadas a necessidade de, justamente, validar a permanência
com materiais também recorrentes nesta bienal, quais e a circulação das experiências e histórias de hoje a
sejam, a terra, a argila, cerâmica e madeira, além de partir de outras que um dia também foram percebidas
tecelagens de cunho artesanal. Materiais que, além como divergentes.
de constituírem obras, dão origem a tecnologias como
aquela empregada por Denilson Baniwa na roça de milho Rosa Gauditano, da série
que cultiva num dos pavilhões da exposição. Lésbicas, 1976, Fotografia
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