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EXPOSIÇÃO SÃO PAULO
À esquerda, obra de Heitor dos Prazeres: à direita, criação de Dalton Paula
brasileira era uma cópia da Europa. Mas os modernistas de Portinari (1903-1962) ou Djanira (1914-1979)”, diz.
ainda vão estabelecer uma dicotomia entre a arte do Já Abdias do Nascimento, ressalta o curador, promo-
povo, primitiva, autodidata, e a arte da elite, acadêmica veu uma reflexão importante em sua formação: aque-
ou uma arte mais de vanguarda”. les artistas populares, ditos primitivos, eram tratados
Segundo o curador, entre esses dois polos modernis- daquela forma porque eram negros. “Ele me ensinou,
tas, Lina Bo Bardi (1914-1992) e Abdias do Nascimento também, que dentro da história da arte brasileira há o
(1914-2011) foram fundamentais em sua luta para “para racismo estrutural. E pensar esse racismo estrutural,
desmanchar, dissolver essa dicotomia entre o erudito a misoginia, as questões de gênero e sociais para mim
e o popular”, algo que busca reverberar em Reversos e é fundamental para desenhar os novos caminhos da
Transversos. Para Heráclito, Lina foi muito importante história da arte brasileira”, argumenta.
porque começou a pensar os espaços expositivos de “O que nós estamos fazendo com essa exposição
uma forma imersiva e refletir, sobretudo, sobre a ques- é tentar escrever um capítulo, um artigo, sobre esses
tão afro, a questão indígena e a formação da própria temas. Por isso que os textos [apresentados na mostra]
cultura brasileira. são muito importantes para acompanhar não só o que
“E essa é uma cultura que se constrói a partir de está sendo exibido. São um discurso, um posiciona-
diálogos, de negociações entre toda essa diversidade mento político e ideológico frente a questões que são
que é o Brasil. Mas Lina começa a construir todo esse importantíssimas”, afirma. “E esse período da Bienal
sentido de uma forma não hierárquica, ela coloca tudo é um momento mais que perfeito, porque existe uma
no mesmo patamar. Uma escultura do Aleijadinho com confluência muito grande. Não é à toa que a Bienal de FOTOS: LEVI FANAN
um ferro de um santeiro, como José Adário (1947). São Paulo, nessa edição, é mais negra, feita não só por
Uma carranca de Mestre Guarany com uma pintura artistas, mas também curadores negros”.
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