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ESPOSIÇÃO SÃO PAULO



                                    Coletiva com 134 artistas na Ocupação 9 de
                                    Julho traz ao centro do debate o papel da arte
                                    como alavanca de afirmação  social e política

                                    por jotabê medeiros


            ESTRATAGEMAS


            DA RESISTÊNCIA


            AO FASCISMO









            com 134 artistas e coletivos até o momento         Instalada de forma simbiótica no edifício da Ocupa-
            (preveem-se ainda novos alistamentos ao longo de sua   ção, na galeria do térreo e nos 1º, 2º e 3º andares, entre
            duração, até 28 de janeiro de 2024), a mostra ReFun- os apartamentos e a rotina das cerca de 400 pessoas
            dação, que reinaugurou no sábado, 2 de setembro, a   que moram ali, tendo moradores como monitores de
            Galeria Reocupa, na Ocupação 9 de Julho (Rua Álvaro   visitação, a mostra ReFundação se insere numa pers-
            de Carvalho, 427), apresenta uma oportunidade inédita   pectiva utópica da mobilidade social da arte que teve
            de se presenciar o resultado de uma exposição de artes   início com o desenhista, escultor e professor carioca
            visuais cujo impulso originador é totalmente democrá- Nelson Felix há exatos cinco anos. Em 2018, durante a 33ª
            tico, inteiramente coletivista e de visões abertas. Para   Bienal de São Paulo, Felix, comissionado pela fundação
            se ter uma ideia: com apoios privados, governamentais   para fazer uma obra, escolheu realizar seu trabalho fora
            e de leis de incentivo, a 35ª Bienal de São Paulo terá   do Ibirapuera, na Ocupação. Aquela obra, intitulada
            121 artistas convidados. A exposição da Ocupação 9 de   Esquizofrenia da forma e do êxtase, cuja duração seria
            Julho, organizada pelo Movimento Sem Teto do Centro   de 24 horas e abrangeria o equinócio de primavera (que,
            (mstc) tem 134 participantes até o momento somente   em 2018, ocorreu às 22h54 de 22 de setembro), consistia
            com o esforço coletivo de organização e montagem.  em uma escultura composta de ferro, cabo de aço e dois
               Não é por acaso que a Ocupação 9 de Julho tenha   mandacarus de sete metros cada nas empenas do edifício
            se tornado objeto de um foco extraordinário do sonar  (continuidade da série de esculturas que Felix montara
            da arte nesse momento: a experiência de gastrono- no 2º andar do Pavilhão da Bienal). Após a instalação
            mia popular da sua cozinha comunitária vem sendo   das peças, o artista utilizou a parede dos banheiros da
            uma das vedetes da recém-aberta 35ª Bienal de São   galeria da ocupação para esquematizar seu trabalho (e
            Paulo – Coreografias do impossível, megamostra em   princípios) em desenhos in situ, à maneira dos pintores
            curso no Pavilhão da Bienal do Parque do Ibirapue- de natureza morta. Essa intervenção ainda está ali, como
            ra. Montada também no esforço do voluntariado (a   se passasse o bastão para a nova exposição em curso.
            cozinha possui, por exemplo, um forno recolhido pelo   Na escada interna do prédio que dá acesso aos
            artista Ding Musa de uma brasileira que fabricava   três andares há um painel em tecido fosco com um
            bolos e, após casar-se com um alemão, foi viver na   desenho inédito de 7 metros de comprimento de Lia
            Europa e doou a peça), a cozinha foi aberta em 2017 e   Chaia, a Ossilda (2023, com a figura de um esqueleto
            consolidou sua ação durante a pandemia de Covid-19,  humano sobreposto à fotografia da fachada do edifí-
            servindo hoje cerca de mil refeições diárias (metade   cio), que acompanha o visitante no percurso. Não há   FOTO: REPRODUÇÃO/FACEBOOK
            delas para pessoas em situação de rua) e utilizando   hierarquização de espaços entre artistas consagra-
            produtos orgânicos oriundos da agricultura familiar  dos, como Rivane Neuenschwander, Ernesto Neto
            e de sua própria horta.                         e Leda Catunda, e os próprios coletivos de artistas

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